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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

portadoras de DHGNA - Esteato-hepatite



    Até a década de 1980, acreditava-se que todo fígado com acúmulo de gordura e sinais de inflamação (hepatite) era causado pelo consumo de álcool. Hoje pode parecer surpreendente, mas esse tipo de alteração é tão comum em usuários de álcool que mesmo que o paciente negasse o consumo de bebidas alcoólicas ainda era considerado como se estivesse mentindo. Em 1980, Ludwig e colaboradores descreveram com o nome esteato-hepatite não-alcoólica (nonalcoholoic steatohepatitis, NASH) uma síndrome caracterizada por mulheres obesas e diabéticas que negavam o uso de álcool, mas apresentavam alterações no fígado muito semelhantes a da hepatite alcoólica, com aumento do volume do fígado, alterações em exames laboratoriais e biópsias com macrovesículas de gordura (daí o nome esteatose, que vem de gordura) nos hepatócitos , necrose (morte celular) focal, inflamação e lesões chamadas de corpúsculos de Mallory (achados até então considerados característicos da hepatite alcoólica).

O "fígado gorduroso" (F) tem aspecto mais amarelado e esbranquiçado, geralmente também com um volume um pouco maior do que o fígado normal (N).
    Mesmo com o reconhecimento de uma doença caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado e, em alguns casos, inflamação e fibrose (cicatrizes) evoluindo até cirrose em pacientes sem uso de álcool, ainda restava um problema: boa parte desses pacientes não eram obesos ou diabéticos e tinham histórico compatível com o de uma doença infecciosa (históricos de uso de drogas, transfusões sanguíneas, e outros). Foi a época em que as hepatites crônicas onde já havia sido descartadas as hepatites A e B eram chamadas de "hepatite não A não B".

Fígados sem e com esteatose (imagem histopatológica acima e do órgão abaixo), mostrando o comum aumento do fígado (hepatomegalia) associado ao acúmulo de gordura.
   Em 1989, finalmente foi descoberto o vírus da hepatite C, responsável pela grande maioria dessas hepatites. Para complicar, uma das características da hepatite C é a presença de esteatose, com ou sem inflamação. Assim a esteatose na ausência de álcool foi quase sinônimo, por algum tempo, de hepatite C. Mas no final da década de 90 já tínhamos testes disponíveis e confiáveis que deixaram claro que boa parte das esteatoses não tinham nenhuma relação com álcool ou com a hepatite C - e que o número de casos estava aumentando de modo alarmante - coincidindo com a epidemia de obesidade, especialmente nos EUA.
   Na última década, o "fígado gorduroso" tem sido alvo de grande interesse e investigação científica. Coincidindo com a epidemia de obesidade, o aumento da disponibilidade do ultrassom, o hábito crescente de dosar transaminases "de rotina", em admissão em empresas e antes de iniciar tratamentos com medicamentos potencialmente tóxicos ao fígado (como para colesterol ou espinhas), observou-se um aumento na incidência de esteatose. Mais ainda, foi constatado que grande parte (nos EUA, atualmente é a maioria) dos exames laboratoriais que mostravam destruição de células do fígado eram causados por uma hepatite associada a essa esteatose. Estudos populacionais demonstraram ainda que provavelmente grande parte das cirroses previamente sem causa definida pode ser atribuída a esse tipo de hepatite.
   Chamamos de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA, ou NAFLD, do inglês "nonalcoholic fatty liver disease") o acúmulo de gordura no fígado (esteatose) não relacionada ao uso de álcool. A esteato-hepatite não-alcoólica (EHNA, ou NASH, do inglês "nonalcoholic steatohepatitis") é uma DHGNA onde a presença da esteatose está relacionada a uma inflamação no fígado (hepatite). Assim, a esteatose hepática ("fígado gorduroso") e a EHNA são apresentações diferentes da DHGNA, sendo que a primeira pode evoluir para a segunda. A cirrose de causa indefinida (criptogênica) onde observa-se esteatose, mas não há sinais de EHNA ativa, também está classificada como DHGNA.

A DHGNA é o conjunto de doenças gordurosas do fígado não relacionadas ao uso de álcool. A esteatose hepática, ou "fígado gorduroso", é o simples acúmulo de gorduras nas células do fígado, enquanto que a esteato-hepatite é o acúmulo de gorduras com inflamação do fígado.
    Não há nenhum exame que distingue a esteatose decorrente do uso de álcool da DHGNA, portanto só podemos considerar como DHGNA se não houver histórico de uso de álcool ou se a quantidade ingerida for insuficiente para causar a esteatose. Geralmente considera-se que um consumo inferior a 20 gramas de álcool por semana seria seguro, mas pessoalmente considero que a variação na sensibilidade individual exige a abstinência completa de qualquer quantidade de álcool por no mínimo 3 meses para excluir a influência desse.
Bebida
Unidade
mL
Etanol (g)
Cachaça
dose
50
17
garrafa
660
220
Destilados (whiskey, vodka)
dose
50
+/- 16
Aperitivos (martini, campari)
dose
50
+/- 8
Cerveja
copo
250
9
lata
350
13
garrafa
660
25
g/L = °GL x 10 x 0,7893
Fonte: Neves, MM e cols. Concentração de etanol em bebidas alcoólicas mais consumidas no Brasil. GED 8(1):17-20, 1989
    Hoje, o termo DHGNA já é insuficiente para descrever essa patologia. Já temos mais informações sobre situações completamente diferentes que podem levar à inflamação observada na EHNA, com prognósticos e tratamentos distintos. Há uma tendência a se considerar como DHGNA apenas as esteatoses relacionadas a síndrome metabólica (ver abaixo em etiologia), mas atualmente a definição acima se mantém.

Fígado normal
    Avaliar quantas pessoas são portadoras de DHGNA é difícil, não há nenhum método próximo do ideal para realizar essa investigação. O método mais simples é a realização de ultrassonografia, que demonstra achados sugestivos de esteatose ("fígado brilhante") em mais de 16% das pessoas saudáveis não obesas e em cerca de 95% dos obesos que fazem uso de álcool. Outros pesquisadores procuraram determinar a porcentagem de portadores na população a partir de dados de necrópsia (exames em cadáveres) ou outros métodos de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, mas nenhum dos exames de imagem pode diferenciar com segurança apenas a esteatose de esteato-hepatite.
Incidência de DHGNA
População Esteatose Esteato-hepatite
Geral 10 - 40% 1,2 - 4,8%
Saudável, não obesos 16 - 36% 2 - 3%
Obesos 50 - 95% 18,5%
Diabéticos tipo 2 28 - 55%  
Dislipidêmicos 20 - 92%  
Pré cirurgia bariátrica 95 - 100% 25 - 50%
Síndrome metabólica 80%  
    Em relação à EHNA, estudo investigando elevações nas transaminases em uma população geral seguida de exclusão de outras causas demonstrou uma prevalência de 5,5% de suposta EHNA em adultos norte-americanos. O risco é maior dessa doença principalmente em obesos, diabéticos e portadores de síndrome metabólica.
Síndrome Metabólica (presença de 3 dos 5 abaixo)
Obesidade central (de tronco)
Hiperglicemia
Baixo colesterol HDL
Hipertrigliceridemia
Hipertensão
    Um estudo que analisou a histologia hepática em pacientes não selecionados (vítimas fatais de acidentes automobilísticos) encontrou esteatose em 24%. Outro que analisou necrópsias de não alcoólatras encontrou esteatose em 35% dos magros e 70% dos obesos, além de esteato-hepatite em 2,7% dos magros e 18,5% dos obesos.
    Esses dados, apesar da dificuldade em estabelecer uma estatística precisa, sugerem que a esteato-hepatite não alcoólica seja a principal causa de doença hepática crônica nos EUA e possivelmente também no Brasil, sendo mais comum do que a hepatite alcoólica, as hepatites virais B e C e as demais doenças do fígado que progridem para cirrose. Assim, como reflexo da epidemia de obesidade e síndrome metabólica nas últimas décadas, espera-se uma epidemia subseqüente de cirrose  e hepatocarcinoma causados pelo NASH nas próximas décadas.
Etiologia (CAUSAS)
   Muitas doenças podem se manifestar no fígado como esteatose associada ou não à inflamação. Algumas estão associadas a distúrbios no metabolismo de gordura em todo o organismo com o acúmulo de gordura no fígado, mas não necessariamente. Medicamentos e substâncias tóxicas como a tetraciclina podem levar a inflamação e degeneração gordurosa do fígado através de lesão nas mitocôndrias do fígado, levando à incapacidade de metabolizar adequadamente as gorduras no órgão e ainda levar à destruição de células e inflamação. Outras doenças como as doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn, retocolite ulcerativa) podem causar esteatose e inflamação pelo aumento de proteínas inflamatórias e produtos bacterianos que chegam ao fígado pela veia porta. Outras ainda podem ser erroneamente diagnosticadas como esteatose por confundirem exames de imagem (como a doença de Wilson e a hemocromatose), ou o anátomo-patológico (como nas glicogenoses, onde o acúmulo de glicogênio pode ser confundido com esteatose tanto na biópsia quanto nos exames de imagem).
Causas da doença hepática gordurosa não alcoólica
Resistência à insulina Obesidade, diabetes melito tipo 2, dislipidemias
Metais Antimônio, sais de bário, boratos, fósforo, cromatos, bissulfureto de carbono, compostos de tálio e urânio
Drogas citotóxicas L-asparaginase, azacitidina, azauridina, metotrexate
Antibióticos Tetraciclina, bleomicina, azaserina, puromicina
Outras drogas Glucocorticóides, antiretrovirais de alta eficácia, amiodarona, tamoxifeno,  estrógenos, varfarina, cis-dicloroetileno, etionina, bromoetano, hidrazina, maleato de perhexiline, 5-fluoruracil
Erros inatos do metabolismo Doença de Wilson, abetalipoproteinemia, hepatoesteatose familiar, galactosemia, doenças de depósito de glicogênio (Pompe, Von Gierke, Forbes), intolerância herediária à frutose, homocistinúria, deficiência sistêmica de carnitina, tirosinemia, síndrome de Refsum, síndrome de Schwachman, síndrome de Weber-Christian
Outros Hepatite C, HIV, doença inflamatória intestinal, cirurgia de desvio de intestino delgado, Kwashiorkor e marasmo, fome e caquexia, nutrição parenteral total, diverticulite, hepatite autoimune
   A tendência atual é pensar na DHGNA no contexto de distúrbio do metabolismo de gordura quando as outras causas (tabela acima) forem descartadas ou não fizerem sentido do ponto de vista clínico e epidemiológico. Assim, vamos focar o restante do texto nessa situação.
Esteatose
    O acúmulo de gordura no interior dos hepatócitos é um mecanismo natural, utilizado para estocar energia. A quantidade de energia acumulada na gordura é muito maior que no açúcar ou na proteína, podendo fornecer ao organismo grande quantidade de energia nos momentos de necessidade. O fígado mantém dois grandes estoques de energia: a gordura (especialmente na forma de triglicérides, também chamados de triacilgliceróis) e o glicogênio, que é uma glicose alterada para ser estocada. Quando permanecemos em jejum e o nível de açúcar no sangue diminui, hormônios enviam sinal ao fígado para transformar o glicogênio em glicose e manter o organismo funcionando. Se a falta de comida persistir, a gordura começa a ser utilizada, mas este processo é mais demorado. Além disso, estudos sugerem que as células esteladas do fígado tentam controlar os níveis de colesterol no sangue transportando o excesso de gorduras para dentro do fígado. Os coelhos, por exemplo, que não tem células esteladas, sofrem muito mais com o excesso de colesterol.
    Há vários motivos pelos quais o metabolismo natural de gordura pode ser alterado e levar à DHGNA:
  • O mais estudado está relacionado a resistência dos tecidos ao hormônio insulina, que regula e influencia todos os processos metabólicos que envolvem açúcares e gorduras. Com a resistência à insulina, há aumento da lipólise (transformação dos lipídeos em ácidos graxos, especialmente na forma de triglicérides), com o aumento no aporte de ácidos graxos ao fígado.

Triglicérides são moléculas formadas por uma molécula de glicerol esterificada a três moléculas de ácidos graxos. Na figura, o glicerol está à esquerda e os três ácidos graxos, de cima para baixo, são ácido palmítico, ácido oléico e ácido alfa-linoléico. Os triglicérides são "desmontados" no intestino, absorvidos e depois podem ser novamente montados no fígado e depositados neste ou nas células de gordura, aonde normalmente tem a função primária de servir como reserva de energia.
  • A dieta rica em carboidratos, por oferecer grande quantidade de energia, permite ao organismo estocar a energia excedente, principalmente na forma de triglicérides (a presença de triglicérides em grande quantidade no organismo não significa necessariamente a ingestão de grande quantidade de gordura, pois mesmo dietas com pouca gordura, em pessoas com distúrbios metabólicos que estimulam a produção de gorduras no organismo, poderão apresentar níveis assustadoramente altos de lipídeos), que são produzidos e acumulados no fígado.

Mitocôndria
  • A metabolização de ácidos graxos, realizada em grande parte no interior das mitocôndrias, pode estar prejudicado. Essa hipótese é sustentada pela demonstração de redução na atividade de genes que atuam na função mitocondrial em portadores de EHNA.
  • A própria esteatose pode levar a um processo de retroalimentação positiva ("círculo vicioso") que estimula os processos anteriores.
   Estudos recentes estão ajudando a esclarecer porque o grau de obesidade e de hipertrigliceridemia (excesso de triglicérides) não está necessariamente relacionado à presença de esteatose e esteato-hepatite e porque há uma tendência a familiares de portadores de DHGNA e EHNA a terem maior risco da doença do que pessoas semelhantes. Diversos genes foram relacionados à maior risco de DHGNA, mas ainda resta saber como esses genes desencadeiam a doença e, mais importante, se distúrbios genéticos diferentes darão origem a tratamentos específicos e mais eficazes para cada situação.
Esteato-hepatite
    A esteatose hepática, em si, não é uma doença, mas reflete uma doença metabólica. Infelizmente, por motivos ainda em investigação, o organismo desencadeia uma inflamação contra os hepatócitos com acúmulo de gordura, que são gradualmente destruídos (em alguns casos, ocorre o contrário, uma agressão à mitocôndria ou ao hepatócito levando ao acúmulo de gordura por interromper o metabolismo da mesma). Dependendo da intensidade desta destruição, isso pode levar à formação de fibrose (cicatrizes) que vão se acumulando e progredindo até a formação de nódulos, o que caracteriza a cirrose.

Um dos modelos fisiopatológicos para explicar a EHNA (fonte):
Eixo central: a resistência periférica a insulina resultaria em aumento na entrada de ácidos graxos livres (AGLs) no fígado, o que causaria um desequilíbrio entre a oxidação e exportação dos AGLs e sua captação e síntese, resultando em acúmulo hepático de gordura. Isto resultaria em produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) pela metabolização pelas vias do citocromo microssomal P450, lipo-oxigenases, peroxisomais e de beta-oxidação mitocondrial. Estas EROs causam apoptose e necrose dos hepatócitos, desencadeiam lesão inflamatória e imunomediada e ativam as células esteladas hepáticas, levando a fibrose hepática.
Stress do retículo endoplasmático: a presença do aumento da entrada de AGLs no fígadotambém resulta em stress do retículo endoplasmático dos hepatócitos e a apoptose dos mesmos, através da ativação da c-Jun N-terminal Kinase (JNK).
Tecido adiposo: o tecido adiposo secreta adipocitocinas (incluindo leptina e angiotensinogênio II), que têm participação direta na regulação do metabolismo dos adipócitos e em vários processos mediados pela insulina. A adiponectina, outro hormônio produzido pelos adipócitos), tem propriedades anti-inflamatórias e anti-esteatóticas, aparentemente protegendo contra a DHGNA. Sua secreção é regulada parcialmente pelo fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), cuja síntese é promovida pelo fator de transcripção nuclear NFβ. A ativação direta das células esteladas hepáticas também pode ocorrer pela hiperglicemia e hiperinsulinemia causada por regulação para cima dos fatores de crescimento do tecido conjuntivo.
   Os mecanismos que desencadeiam a hepatite em um paciente com esteatose simples não são conhecidos, mas estudos recentes já tem mostrado os mecanismos da inflamação e formação de fibrose. Sabemos que nestes casos a esteatose é tanto causa quanto resultado da formação de espécies reativas de oxigênio, peroxidação lipídica e stress oxidativo, redução na função da cadeia respiratória mitocondrial, depleção de ATPs e produção de citocinas pró-inflamatórias, incluindo fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Em modelos animais, observou-se ciclo auto-perpetuado de resistência insulínica e inflamação pela ativação crônica da quinase inibitória kappa beta (IKKβ) e interações com o fator de transcripção nuclear NFκβ. Estudos também demonstraram a natureza pró-fibrogênica (estímulo à fibrose hepática) pela hiperinsulinemia, hiperglicemia e pela leptina (um hormônio relacionado à obesidade que está sendo muito estudado no momento).

Fígado com esteatose. As bolas brancas correspondem as gotículas de gordura, que desaparecem no preparo da lâmina.
    Cerca de 45-100% dos pacientes não apresentam sintomas. Quando apresentam, especialmente crianças, os sintomas mais comuns são dor em hipocôndrio direito, desconforto abdominal, fadiga e indisposição. O aumento do fígado (hepatomegalia) pode ser observado em até 12-95%. As alterações laboratoriais mais comuns são elevações de até 5 vezes em AST e ALT. Outra característica interessante dos exames laboratoriais é que a relação AST/ALT é menor que 1 em 65-90%. Quando se torna maior que 1, está ocorrendo progressão da doença com formação de fibrose e evolução para cirrose. Os níveis de fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase estão aumentados em 2 a 3 vezes em menos que 50% dos casos.
   O diagnóstico da doença hepática gordurosa não alcoólica é feito pela demonstração de acúmulo de gordura no fígado em pacientes com consumo de álcool insuficiente para levar a esse tipo de alteração (mais uma vez, esse nível é considerado na maioria dos estudos como inferior a 20 gramas de álcool por semana, embora eu pessoalmente considere que é necessário, pela falta de um método que diferencie a esteatose alcoólica da não-alcoólica, um período de abstinência completa superior a 3 meses).

Ecografia (ultrassonografia) mostrando fígado normal (à esquerda) e com esteatose (à direita). Os feixes sonoros são refletidos pelo excesso de gordura acumulada no fígado (seta amarela), impedindo a avaliação de estruturas mais profundas (seta vermelha). A maioria dos ultrassonografistas classifica este grau de esteatose como "grau III".
   A demonstração do acúmulo de gordura geralmente é realizada através de exames complementares de imagem (ecografia, tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética). Estes exames são considerados geralmente suficientes para o diagnóstico da esteatose, podendo também informar se há sinais de desenvolvimento de cirrose ou de hipertensão portal. Mas não permitem a diferenciação entre a esteatose e a esteato-hepatite nem diferenciar graus intermediários de fibrose ou de atividade da inflamação. É possível diferenciar grosseiramente o acúmulo de gordura entre leve (grau I), moderada (grau II) e severa (grau III), embora isso tenha pouca utilidade clínica.

Tomografias computadorizadas mostrando fígado (seta) normal (à esquerda) e com esteatose (à direita).
   No entanto os exames de imagem, especialmente a ultrassonografia, podem errar o diagnóstico. Doenças como a hemocromatose (onde há acúmulo de ferro no fígado) e glicogenoses (acúmulo de metabólitos de glicogênio) podem ser muito semelhantes à esteatose. Assim, considera-se que o melhor exame para o diagnóstico da esteatose é a biópsia hepática com análise histopatológica do material coletado. Além de confirmar a presença do acúmulo de gordura e diferenciar de outras doenças, permite avaliar se há hepatite e o quanto a doença está avançada em termos de fibrose.

Biópsia hepática: através desse exame, é possível avaliar a presença de gotículas de gordura (setas amarelas), células inflamatórias em permeio aos hepatócitos na hepatite (setas azuis) e a presença de fibrose (setas vermelhas).
   Os principais fatores limitantes à biópsia hepática é que é um exame invasivo (apesar do risco de complicações ser pequeno, é um exame desconfortável e necessita de pelo menos um dia de afastamento das atividades habituais) e o fato da doença não se distribuir necessariamente de forma homogênea no fígado, sendo possível colher material que não seja representativo do fígado como um todo.
Resistência à insulina
   O diagnóstico de resistência à insulina geralmente é inicialmente clínico, observando-se sinais de síndrome metabólica (obesidade e hipertensão arterial) e complementado com a dosagem no sangue das frações de colesterol, triglicérides e glicose. Recentemente, desenvolveu-se o índice HOMA-IR, um método simples de cálculo da resistência à insulina através da dosagem conjunta de glicose e insulina.

Software gratuito para o cálculo do HOMA2, oferecido pela Universidade de Oxford (link)
   A diferenciação entre a esteatose "simples" e a esteatose com inflamação associada nem sempre é fácil e só pode ser confirmada pela biópsia hepática. A elevação das aminotransferases (AST e ALT), na ausência de outras causas (como a hepatite C, que tende a cursar com o aparecimento de uma esteatose), geralmente indica a presença de inflamação. Um dos sinais laboratoriais mais precoces, apesar de pouco específico, é o aumento da gama-glutamil transferase (GGT).
    A informação mais importante seria qual a importância prática desta doença. Aparentemente, a grande maioria das esteatoses não causa lesão hepática mesmo com 20 anos de acompanhamento. No entanto, nos pacientes com esteato-hepatite acompanhados por até 9 anos, 27% evoluíram para fibrose e 19% para cirrose. Acredita-se hoje que grande parte das cirroses criptogênicas (de causa desconhecida) estejam relacionadas à EHNA.

História natural da DHGNA (fonte)
Esteatose
Obesidade
    O principal objetivo do tratamento é eliminar os fatores que levaram à esteatose. Se forem agentes externos como medicamentos, álcool ou outros agentes tóxicos, eles devem ser eliminados. Se for por diabetes não controlado adequadamente, o tratamento precisa ser ajustado. Se o indivíduo for obeso, ou se consumir dieta rica em gorduras e/ou carboidratos, deve perder peso, adequar a dieta e realizar exercícios físicos apropriados à idade e condição física. Não há fórmula mágica para isso, ou uma dieta específica para a esteatose. A redução do peso é condição básica (e muitas vezes suficiente) para o tratamento da esteatose hepática em obesos. Preferencialmente, essa redução de peso deve ser feita com acompanhamento médico (com um bom clínico geral ou endocrinologista) e, se possível, também com nutricionista.

Fígado com esteatose
     O orlistat (xenical®) é um medicamento utilizado no tratamento da obesidade por diminuir a absorção de gorduras pelo intestino. Sua eficácia na esteatose está relacionada mais à perda de peso do que ao seu efeito no metabolismo da gorduras, mas seu uso é limitado pelos efeitos colaterais, principalmente flatulência e diarréia. Há diversos outros medicamentos que podem ser utilizados no auxílio ao emagrecimento, com eficácia na esteatose também dependentes da perda de peso, mas menos estudados em relação a esse objetivo. O médico deve esclarecer ao paciente sobre os riscos relacionados ao medicamento prescrito (não há fármaco para o tratamento da obesidade isento de efeitos colaterais) e evitar os que podem causar lesão no fígado. Cabe ressaltar que medicamentos "naturais" são geralmente erroneamente tratados como seguros, enquanto muitos são tóxicos ao fígado.
     Além da mudança no estilo de vida e do tratamento farmacológico, a cirurgia bariátrica é uma opção no portador de esteatose que também é obeso e apresenta síndrome metabólica.
Resistência à insulina
     A resistência à insulina, presente na grande maioria dos pacientes com esteatose hepática, pode ser tratada (além do tratamento da obesidade, se presente) com insulinossensibilizantes. O mais estudado na esteatose hepática é a metformina (2 g ao dia), que já é utilizada há muito tempo no tratamento do diabetes e apresenta como vantagem uma tendência a levar a perda de peso. As tiazolidinedionas (pioglitazona 30 a 45 mg ao dia e rosiglitazona 4 mg, duas vezes ao dia) são agentes mais novos e que, ao contrário da metformina, estão associadas a aumento de peso e um (discutível) aumento no risco de doenças cardiovasculares. Os três medicamentos já foram analisados em diversos estudos, com bons (embora variáveis) resultados no tratamento da esteatose e esteato-hepatite.
Redução nos lipídios
     Como a hipertrigliceridemia (quantidade aumentada de triglicérides no sangue) e níveis baixos de colesterol HDL estão associados à síndrome metabólica e à esteatose e esteato-hepatite, uma alternativa de tratamento é corrigir esse problema. A medicação mais estudada para isso é o gemfibrozil (600 mg ao dia por 4 semanas), com pouca eficácia bioquímica. As estatinas, medicamentos de outra classe, mostraram maior eficácia, mas estão associadas ao risco de toxicidade hepática.
Esteato-hepatite
     Enquanto que o tratamento da esteatose está indicado mais pelos fatores associados a ela (obesidade, resistência insulínica, hipertrigliceridemia e síndrome metabólica, que levam a doença cardiovascular, incluindo infarto do miocárdio e derrame), o da esteato-hepatite é, em si, necessidade de tratamento, pelo risco de evolução para cirrose hepática e, subseqüentemente, de insuficiência hepática e hepatocarcinoma. É importante ressaltar que, como é uma doença reconhecida há relativamente pouco tempo, ainda não há estudos que demonstrem claramente que algum tratamento modifique a sua evolução - o que temos são estudos mostrando melhora ou não em exames laboratoriais e, mais raramente, na inflamação observada em biópsias.
     O tratamento da esteato-hepatite (acúmulo de gordura relacionada a inflamação) é complementar ao tratamento da esteatose, descrito acima, se o mesmo não for suficiente. Estudos demonstraram que a dieta com restrição de calorias, associada a exercícios físicos, reduzem a resistência à insulina e, conseqüentemente, levam a redução de transaminases em pacientes com EHNA comprovada, o que significa redução na inflamação. A cirurgia bariátrica também é uma opção, sendo que a presença de esteato-hepatite associada à obesidade pode ser, em si, indicação do procedimento se não houver controle adequado da doença com outras medidas.
Antioxidantes
   O objetivo dos antioxidantes não é o de eliminar o depósito de gordura, mas sim o de reduzir a lesão ao fígado causada pela inflamação. Esse tratamento, portanto, não tem como objetivo tratar a causa do problema, apenas reduzir a destruição dos hepatócitos e, espera-se, impedir ou atrasar a progressão da doença. O antioxidante mais estudado, algumas vezes com ótimos resultados, outras sem qualquer mudança, é a vitamina E, com doses entre 400 e 1000 UI por dia. Aparentemente, a vitamina C não leva a nenhum benefício.
Ácido ursodeoxicólico
     O ácido ursodeoxicólico (ursacol®) é um sal biliar mais hidrossolúvel, que acelera o fluxo biliar, diminuindo o contato da bile com os hepatócitos e, conseqüentemente, a toxicidade pela mesma. Além disso, por mecanismos desconhecidos, tem efeito imunomodulatório no fígado, reduzindo a inflamação. Sua eficácia na esteato-hepatite, na dose de 13 a 15 mg/kg ao dia, é contraditória nos estudos existentes, tendo a vantagem de ser muito bem tolerada, apesar de dispendiosa.
     A doença hepática gordurosa, sem relação com álcool ou hepatite viral, só foi reconhecida recente e tardiamente, quando estamos diante de uma epidemia. Em parte, essa epidemia pode ser explicada pela epidemia de obesidade, mas não devemos por isso nos deixar cegar ao óbvio problema de que uma parcela considerável de pacientes com esteato-hepatite, evoluindo ou já com cirrose e hepatocarcinoma, não são obesos.
     A DHGNA pode ser causada pelo modelo obesidade -> resistência insulínica -> esteatose -> esteato-hepatite, mas também por variações gênico-protéicas que levam a redução na captação de triglicérides ou na eliminação dos mesmos pelos hepatócitos, ou comprometendo o metabolismo lipídico nas mitocôndrias, entre outros, além de outros fatores que podem vir a ser descobertos, como toxinas na flora intestinal ou ambientais, incluindo na dieta, ou vírus desconhecidos. Se considerarmos isso, a esteatose hepática (e a EHNA) é apenas uma manifestação comum de diversas doenças.
     A grande maioria dos estudos considera apenas o primeiro modelo como causa da doença. Com isso, a população estudada pode ter proporções diferentes de esteatose por causas diferentes, que responderão de forma variada ao tratamento proposto. Por exemplo, um paciente com esteatose hepática secundária a uma mutação na proteína liberadora de lipoproteínas (a "porta de saída"de triglicérides do fígado - se não funcionar como deveria, a gordura não sai e fica acumulada) não vai responder da mesma forma que um diabético a uma medicação para controle de diabetes ou à dieta.
     Assim, um dos pontos chave no tratamento da esteatose é esclarecer qual a sua causa, ao invés de tentar todos os tratamentos disponíveis até encontrar o adequado (o que, infelizmente, pode ser a única estratégia até que tenhamos mecanismos para esclarecer algumas causas). Outro ponto chave para a maioria dos pacientes continua sendo a mudança de estilo de vida (perda de peso, dieta e exercícios), mas quando isso é aplicável. Não há razão para reduzir o peso se o paciente está com peso adequado, nesse caso é necessário investigar melhor a causa da doença !
   Finalmente, cabe ressaltar que, na maioria dos casos, a esteatose é um achado fisiológico (normal), que pode ser causado por diversos motivos, entre eles os mecanismos naturais do organismo de acumular energia em excesso e reduzir a quantidade de gordura circulante, que poderia se depositar nas artérias e levar a derrame ou infarto. A esteatose, nessas situações, seria um "sintoma" de outro problema, que deve ser tratado adequadamente.
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