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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Menina iniciada no candomblé é apedrejada na cabeça por evangélicos

Menina iniciada no candomblé é apedrejada na cabeça por evangélicos

Intolerância religiosa: menina de apenas 11 anos é apedrejada na cabeça por evangélicos e diz que está com medo de morrer: ‘Continuo na religião, nunca vou deixá-la. É a minha fé. Mas não saio mais de branco’. A garota e os parentes também foram xingados: ‘Sai Satanás, queima! Vocês vão para o inferno’

menina candomblé intolerância religiosa
Menina já pedia paz em imagem publicada antes de ser agredida. Hoje, ela afirma que não vestirá mais branco porque tem ‘medo de morrer’ (Reprodução/Facebook)
Com apenas 11 anos de idade, K. conheceu a intolerância religiosa na noite de domingo de forma dolorosa. A menina, iniciada no Candomblé há quatro meses, seguia com parentes e irmãos de santo para um centro espiritualista na Vila da Penha, quando foi atingida na cabeça por uma pedra, atirada, segundo testemunhas, por um grupo de evangélicos. Ainda segundo os relatos, momentos antes, eles xingaram os adeptos da religião de matriz africana.
“Eles gritaram: ‘Sai Satanás, queima! Vocês vão para o inferno’. Mas nós não demos importância. Logo depois, o pedregulho atingiu minha neta e, enquanto fomos socorrê-la, eles fugiram em um ônibus”, contou a avó da menina, Kathia Coelho Maria Eduardo, de 53 anos, conhecida na religião como Vó Kathi.
O caso foi registrado ontem na 38ª DP (Brás de Pina) como lesão corporal e no artigo 20 da lei 7.716 (praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião). A polícia tenta identificar os agressores através de câmeras dos ônibus da região.
K. chegou a desmaiar e, segundo seus parentes, teve dificuldade para lembrar de fatos recentes. “Ela está bem, pois foi socorrida para o hospital e até foi à escola, pois é muito estudiosa. Mas na hora chegou a perder a memória. Que mundo é esse que estamos vivendo? Não se respeita nem criança?”, questionou, ainda indignada, Yara Jambeiro, 49, também integrante do Barracão Inzo Ria Lembáum e uma das responsáveis pela educação religiosa de K.
O caso ganhou repercussão na Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro. Ivanir dos Santos, que preside a comissão, defende a importância da punição aos responsáveis.
“Não se trata de um fato isolado. É assustador uma pedrada em uma criança. Vivemos um momento delicado na questão da intolerância. As investigações precisam chegar aos agressores para que o exemplo não seja de impunidade e que a liberdade religiosa seja reafirmada como está na lei”, avaliou.
Responsável por uma rede social com 50 mil adeptos e que defende a cultura afro-brasileira, Marcelo Dias, o Yangoo, divulgou o caso: “É assombroso”, criticou.

Medo de morrer

Em entrevista ao jornal carioca Extra, a menina disse que a partir de agora quer esconder de todos a fé que abraçou por medo de sofrer novas represálias.
“Continuo na religião, nunca vou deixá-la. É a minha fé. Mas não saio de mais de branco. Nem no portão eu vou. Estou muito, muito assustada. Tenho medo de morrer. Muito, muito medo”, afirmou.
A garota recorda com indignação do momento em que foi agredida. “Só me recordo de ter colocado a mão na cabeça, sentir o sangue e logo depois vê-lo pingando no chão. Foi uma coisa do nada. Nem vi direito de onde veio. Mas eu poderia ter sofrido algo grave. Atingiu minha cabeça. Mas e se fosse meu olho?”, questionou.

Ialorixá de 90 anos enfartou com ofensas

A denúncia de que uma pedra feriu a menina K., de 11 anos, na noite de domingo, chegou à Comissão de Combate à Intolerância do Rio em meio a reunião na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em protesto pela morte, no dia 1º , de uma uma ialorixá, de 90 anos de idade, em Camaçari, na Bahia.
Segundo seus parentes e filhos de santo, a religiosa enfartou depois da instalação de um igreja evangélica em frente ao seu terreiro.
Conhecida como Mãe Dede de Iansã, Mildreles Dias Ferreira teria morrido após seguidores da igreja, terem passado uma madrugada inteira em vigília proferindo ofensas em direção à casa de santo.
“A polícia recebeu queixas contra as manifestações em frente ao terreiro antes da morte dela. Fizeram cerimônias em frente à casa de forma acintosa e, em outros casos, há quem macule terreiros, além de outras práticas sistemáticas”, enumerou Ivanir dos Santos, presidente da comissão.
informações de O Dia e Extra | Flávio Araújo

RELIGIÃO - CRIANÇAS NO CANDOMBLÉ

RELIGIÃO - CRIANÇAS NO CANDOMBLÉ

Revista Manchete 24 de dezembro de 1977


Fotos Lázaro Torres

Para a maioria dos terreiros da Bahia, impedir a presença de menores nos rituais é extinguir o futuro da religião dos Orixás
As crianças que frequentam os terreiros de candomblé da Bahia talvez não possam mais participar dos rituais. A proibição é da Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro, entidade civil fundada em 1946, mas que só recentemente passou a funcionar, provocando grande agitação entre os crentes. Seu principal dirigente é um policial que atribui a decisão ao juiz titular de Menores da Capital baiana e tem – ele e seus companheiros de diretoria – carteira do Comissariado para exercer a fiscalização sobre os terreiros.
A decisão da federação agitou os meios do candomblé e o famoso terreiro de Axé Apô Afonjá , presidido pelo pintor Carybé , divulgou uma nota protestando contra “uma atitude inconstitucional e a tentativa de descaracterizar uma religião que, dia a dia, vem se afirmando no seio da coletividade”. E a ialorixá Stela de Azevedo explicou ; “Não há nada no ritual que possa ferir a sensibilidade de uma criança”.
 Na foto à esquerda Mirinha do Portão e a menina Cosma dos Santos , uma esperança.
As mães e pais-de-santo dos principais terreiros da Bahia não acreditam nas boas intenções anunciadas pela Federação do Culto Afro-Brasileiro. Por isso, os terreiros Axé Apô Afonjá, fundado pela famosa Mãe Senhora, o Axé Apô Aganju, dirigido pelo pai-de-santo Balbino, e o Axé Iamassé, de Mãe Menininha do Gantois , não permitem a entrada de qualquer membro da federação para retirar menores que frequentam seus barracões. E, para refutar a proibição, logo apareceram sociólogos, antropólogos, etnólogo e até o intelectual baiano por excelência, Jorge Amado, que declarou:”Os candomblés da Bahia, de qualquer nação , Gege,Nagô ,Congo,Angola ou Caboclo são independentes uns dos outros. Nunca estiveram reunidos em federações ou uniões. Por outro lado, sempre surgiram sabichões querendo explorar a crença do povo brasileiro nos Orixás. Acho absurda essa história de que os menores não podem frequentar os terreiros. E nem aceito a autoridade civil ou religiosa dessas federações sobre qualquer casa de candomblé da Bahia”.
Concordando com esse ponto de vista, o etnólogo Waldeloir Rego explica:  "É preciso entender que o candomblé é a religião de grande parcela da população brasileira e tem seu culto assegurado e resguardado pela Constituição”.
Waldeloir acha que a presença de menores nos cultos e cerimônias de quaisquer das inúmeras religiões espalhadas pelo mundo representa a própria continuação dessas religiões. E lembra da presença de crianças nas igrejas católicas, nos templos budistas, e mesmo nos rituais índios.
Na realidade as crianças nos candomblés são submetidas a três etapas religiosas diferentes: uma delas se liga ao nascimento; depois vêm as obrigações e a iniciação. Muitas grávidas, filiadas ao candomblé, recebem o Abiku Abi – entidade que, ao aparecer precisa ser despachada. Nesse caso, a gestante procura imediatamente o terreiro, onde são feitas as obrigações específicas. Muitas vezes, quando a grávida vai dar à luz a criança, as pessoas levam ao hospital o material necessário ao ritual que é realizado sem que o médico assistente note – ou se importe. O despacho, nesses casos, deve ser bem feito para evitar o risco de que Abiku Abi transforme a criança numa pessoa doente ou num marginal. Assim que deixa o hospital, a parturiente volta ao terreiro para continuar as obrigações. E o recém-nascido participa do ritual e continuará participando até sua iniciação. Esse processo é tão natural nos terreiros como é o costume de batizar as crianças, na igreja Católica.

Várias crianças dotadas de axé cumprem obrigação nos terreiros

O etnólogo Waldeloir Rego conta que já visitou várias vezes a África e observou muitas crianças consideradas de Abiku. Elas já tinham feito em tenra idade suas obrigações e traziam no tornozelo um xaorô , espécie de guizo, e um lagdbá, contas de vegetal pertencentes a Obaluaê. É comum, na Bahia, pais pertencentes a um terreiro de candomblé levarem o filho recém-nascido para uma consulta ao pai ou mãe-de-santo para saber qual e o seu santo e o seu odu ( destino).
Existem 16 odus, correspondentes ao horóscopo. Havendo indicação, são feitas obrigações para livrar a criança de algum mal que o futuro lhe reserve.
Depois de sete anos, o menino ou menina farão novas obrigações até a chamada fase de iniciação. O envolvimento infantil com o terreiro é tão marcante que os bebês nascidos nos arredores do candomblé são chamados Aiassé – e devem fazer inúmeras obrigações.
- A presença das crianças nos terreiros é da maior importância e retirá-las uma insensatez , conclui Waldeloir Rego.
Para os terreiros de candomblé menores e menos conhecidos enfrentar a Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro tem sido mais difícil. Assim, se inscrevem na Federação, pagam mensalidade e taxas e alimentam o receio diante das ameaças de fechamento.
Antônio Agnelo, Presidente da Federação e funcionário da Polícia, diz “as coisas melhoraram depois que começamos a atuar. Antes, havia até crianças que eram obrigadas a permanecer nos terreiros e falsos pais ou mães-de-santo exigiam dinheiro para soltá-las”.
Ele acha que muitas crianças curtem o candomblé por causa das comidas e da frequente distribuição de guloseimas especiais. E não aceita as opiniões de Carybé, presidente do terreiro Axé Apô Afonjá. “Ele é homem de folclore. Um estrangeiro, envolvido em candomblé”.

O juiz de Menores da Comarca de Salvador, Agnaldo Bahia Monteiro, afirma que, há muito tempo, o juizado fiscaliza discretamente os candomblés, em relação à presença de crianças em seu ritual: “Já recebemos denúncias de sacrifícios impostos aos menores, até com alguns ferimentos”.
Ultimamente, resolveu transferir essa fiscalização para a Federação do Culto Afro-Brasileiro: “Crianças não devem se submeter a quaisquer sacrifícios e menores de 18 anos não podem tocar em comidas e bebidas que contenham álcool”.
Os terreiros não aceitam ais interpretações, alegando que as crianças que os frequentam pertencem à comunidade, são muitas vezes filhas de pais e mães-de-santo. Seu afastamento significaria a própria extinção dos axés.
E insistem na presença das crianças em seus rituais, como é o caso da mãe-de-santo Mirinha do Portão, guardiã do terreiro de São Jorge , filha da Goméia – e que tem várias crianças em seu terreiro.

-Tenho aqui, entre outras, Cosma dos Santos, com
cinco anos. Ela nasceu aqui. Quando fui confirmar sua mãe, Waldete dos Santos, que é minha filha-de-santo, Waldete estava grávida; a menina nasceu com toda a força do axé.
- Elas nascem e crescem no axé e é portanto, indispensável sua presença no culto. Temos de continuar com as obrigações, até Cosma completar sete anos. Aí, virá a fase da iniciação
Com 53 anos, eu tenho 49 de terreiro; isso quer dizer que menina, já frequentava o candomblé.
. Mãe Mirinha do Portão revela ainda que tem em seu terreiro Eunice Araújo Gomes, 12 anos, que é de Oxumaré, Rosângela Maria dos Santos, de Iemanjá, e muitas outras meninas e meninos.
Ela acha que a presença das crianças garante a continuação da fé. E diz: “Em minha casa, só mandam os meus Orixás”.
Na foto ao lado Eunice ( de Oxumaré), 12 anos e Rosângela ( de Iemanjá), da mesma idade, ladeiam Cosma dos Santos, cinco anos. As três são do terreiro de Mirinha do Portão.

RELIGIÃO - CRIANÇAS NO CANDOMBLÉ

RELIGIÃO - CRIANÇAS NO CANDOMBLÉ

Revista Manchete 24 de dezembro de 1977


Fotos Lázaro Torres

Para a maioria dos terreiros da Bahia, impedir a presença de menores nos rituais é extinguir o futuro da religião dos Orixás
As crianças que frequentam os terreiros de candomblé da Bahia talvez não possam mais participar dos rituais. A proibição é da Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro, entidade civil fundada em 1946, mas que só recentemente passou a funcionar, provocando grande agitação entre os crentes. Seu principal dirigente é um policial que atribui a decisão ao juiz titular de Menores da Capital baiana e tem – ele e seus companheiros de diretoria – carteira do Comissariado para exercer a fiscalização sobre os terreiros.
A decisão da federação agitou os meios do candomblé e o famoso terreiro de Axé Apô Afonjá , presidido pelo pintor Carybé , divulgou uma nota protestando contra “uma atitude inconstitucional e a tentativa de descaracterizar uma religião que, dia a dia, vem se afirmando no seio da coletividade”. E a ialorixá Stela de Azevedo explicou ; “Não há nada no ritual que possa ferir a sensibilidade de uma criança”.
 Na foto à esquerda Mirinha do Portão e a menina Cosma dos Santos , uma esperança.
As mães e pais-de-santo dos principais terreiros da Bahia não acreditam nas boas intenções anunciadas pela Federação do Culto Afro-Brasileiro. Por isso, os terreiros Axé Apô Afonjá, fundado pela famosa Mãe Senhora, o Axé Apô Aganju, dirigido pelo pai-de-santo Balbino, e o Axé Iamassé, de Mãe Menininha do Gantois , não permitem a entrada de qualquer membro da federação para retirar menores que frequentam seus barracões. E, para refutar a proibição, logo apareceram sociólogos, antropólogos, etnólogo e até o intelectual baiano por excelência, Jorge Amado, que declarou:”Os candomblés da Bahia, de qualquer nação , Gege,Nagô ,Congo,Angola ou Caboclo são independentes uns dos outros. Nunca estiveram reunidos em federações ou uniões. Por outro lado, sempre surgiram sabichões querendo explorar a crença do povo brasileiro nos Orixás. Acho absurda essa história de que os menores não podem frequentar os terreiros. E nem aceito a autoridade civil ou religiosa dessas federações sobre qualquer casa de candomblé da Bahia”.
Concordando com esse ponto de vista, o etnólogo Waldeloir Rego explica:  "É preciso entender que o candomblé é a religião de grande parcela da população brasileira e tem seu culto assegurado e resguardado pela Constituição”.
Waldeloir acha que a presença de menores nos cultos e cerimônias de quaisquer das inúmeras religiões espalhadas pelo mundo representa a própria continuação dessas religiões. E lembra da presença de crianças nas igrejas católicas, nos templos budistas, e mesmo nos rituais índios.
Na realidade as crianças nos candomblés são submetidas a três etapas religiosas diferentes: uma delas se liga ao nascimento; depois vêm as obrigações e a iniciação. Muitas grávidas, filiadas ao candomblé, recebem o Abiku Abi – entidade que, ao aparecer precisa ser despachada. Nesse caso, a gestante procura imediatamente o terreiro, onde são feitas as obrigações específicas. Muitas vezes, quando a grávida vai dar à luz a criança, as pessoas levam ao hospital o material necessário ao ritual que é realizado sem que o médico assistente note – ou se importe. O despacho, nesses casos, deve ser bem feito para evitar o risco de que Abiku Abi transforme a criança numa pessoa doente ou num marginal. Assim que deixa o hospital, a parturiente volta ao terreiro para continuar as obrigações. E o recém-nascido participa do ritual e continuará participando até sua iniciação. Esse processo é tão natural nos terreiros como é o costume de batizar as crianças, na igreja Católica.

Várias crianças dotadas de axé cumprem obrigação nos terreiros

O etnólogo Waldeloir Rego conta que já visitou várias vezes a África e observou muitas crianças consideradas de Abiku. Elas já tinham feito em tenra idade suas obrigações e traziam no tornozelo um xaorô , espécie de guizo, e um lagdbá, contas de vegetal pertencentes a Obaluaê. É comum, na Bahia, pais pertencentes a um terreiro de candomblé levarem o filho recém-nascido para uma consulta ao pai ou mãe-de-santo para saber qual e o seu santo e o seu odu ( destino).
Existem 16 odus, correspondentes ao horóscopo. Havendo indicação, são feitas obrigações para livrar a criança de algum mal que o futuro lhe reserve.
Depois de sete anos, o menino ou menina farão novas obrigações até a chamada fase de iniciação. O envolvimento infantil com o terreiro é tão marcante que os bebês nascidos nos arredores do candomblé são chamados Aiassé – e devem fazer inúmeras obrigações.
- A presença das crianças nos terreiros é da maior importância e retirá-las uma insensatez , conclui Waldeloir Rego.
Para os terreiros de candomblé menores e menos conhecidos enfrentar a Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro tem sido mais difícil. Assim, se inscrevem na Federação, pagam mensalidade e taxas e alimentam o receio diante das ameaças de fechamento.
Antônio Agnelo, Presidente da Federação e funcionário da Polícia, diz “as coisas melhoraram depois que começamos a atuar. Antes, havia até crianças que eram obrigadas a permanecer nos terreiros e falsos pais ou mães-de-santo exigiam dinheiro para soltá-las”.
Ele acha que muitas crianças curtem o candomblé por causa das comidas e da frequente distribuição de guloseimas especiais. E não aceita as opiniões de Carybé, presidente do terreiro Axé Apô Afonjá. “Ele é homem de folclore. Um estrangeiro, envolvido em candomblé”.

O juiz de Menores da Comarca de Salvador, Agnaldo Bahia Monteiro, afirma que, há muito tempo, o juizado fiscaliza discretamente os candomblés, em relação à presença de crianças em seu ritual: “Já recebemos denúncias de sacrifícios impostos aos menores, até com alguns ferimentos”.
Ultimamente, resolveu transferir essa fiscalização para a Federação do Culto Afro-Brasileiro: “Crianças não devem se submeter a quaisquer sacrifícios e menores de 18 anos não podem tocar em comidas e bebidas que contenham álcool”.
Os terreiros não aceitam ais interpretações, alegando que as crianças que os frequentam pertencem à comunidade, são muitas vezes filhas de pais e mães-de-santo. Seu afastamento significaria a própria extinção dos axés.
E insistem na presença das crianças em seus rituais, como é o caso da mãe-de-santo Mirinha do Portão, guardiã do terreiro de São Jorge , filha da Goméia – e que tem várias crianças em seu terreiro.

-Tenho aqui, entre outras, Cosma dos Santos, com
cinco anos. Ela nasceu aqui. Quando fui confirmar sua mãe, Waldete dos Santos, que é minha filha-de-santo, Waldete estava grávida; a menina nasceu com toda a força do axé.
- Elas nascem e crescem no axé e é portanto, indispensável sua presença no culto. Temos de continuar com as obrigações, até Cosma completar sete anos. Aí, virá a fase da iniciação
Com 53 anos, eu tenho 49 de terreiro; isso quer dizer que menina, já frequentava o candomblé.
. Mãe Mirinha do Portão revela ainda que tem em seu terreiro Eunice Araújo Gomes, 12 anos, que é de Oxumaré, Rosângela Maria dos Santos, de Iemanjá, e muitas outras meninas e meninos.
Ela acha que a presença das crianças garante a continuação da fé. E diz: “Em minha casa, só mandam os meus Orixás”.
Na foto ao lado Eunice ( de Oxumaré), 12 anos e Rosângela ( de Iemanjá), da mesma idade, ladeiam Cosma dos Santos, cinco anos. As três são do terreiro de Mirinha do Portão.

Povos de terreiro conquistam maioria para derrubar PL que proíbe sacrifícios de animais

Povos de terreiro conquistam maioria para derrubar PL que proíbe sacrifícios de animais

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Da Redação
Sacrifício de vidas, qual a diferença? A pergunta foi feita de forma inusitada nesta terça-feira (07) aos que passavam pelo Largo Glênio Peres, em Porto Alegre. Seminus, amarrados ao chão, sujos de sangue e cobertos por pipocas e velas, ativistas defensores de animais simbolizaram uma oferenda humana. O grupo protestou contra os rituais de sacrifício praticados nas religiões de matriz africana. O debate foi aberto no estado por conta do Projeto de Lei 21/2015 da deputada Regina Becker Fortunati (PDT) que prevê a proibição dos rituais dos povos de terreiro.  O texto quase foi rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta manhã, mas o pedido de vista do deputado Diógenes Basegio (PDT) postergou a decisão para a próxima semana.
Durante a sessão, acompanhada por dezenas de religiosos de matriz africana, dez deputados chegaram a declarar seus votos apontando para a inconstitucionalidade do texto. Apenas o relator da matéria, deputado Gabriel Souza (PMDB) teve entendimento diferente. No entanto, a causa não foi ganha pelos povos de terreiros que lotaram dentro e fora da Assembleia pelo pedido do deputado Basegio, líder da bancada do PDT.
“Consideramos que tivemos uma vitória pela mobilização que fizemos. Mas tivemos um traidor do povo. O deputado Basegio. Aquele que vai ao axé, que bota fitinha no pulso, que vai ao mercado bater folha ou que vai no dia 2 de fevereiro levar florzinha pra Iemanjá não pode trair seu povo. Ele quis agradar uma deputada que não merece o título de parlamentar. Em um contexto político que vivemos de crescente intolerância esta deputada consegue instalar o ódio religioso no RS. Ela retoma um processo discriminador, intolerante e racista”, disse a representante do Conselho Estadual de Povos de Terreiro, Mãe Vera Soares.
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
“O racismo está instituído nas Assembleias Legislativas”
O Rio Grande do Sul possuiu 60 mil terreiros e aproximadamente 600 mil pessoas praticantes das religiões de matriz africana. De acordo com a representante do Fórum Nacional de Povo de Tradições de Matriz Africana, Regina Nogueira, a resistência dos descendentes desta tradição é nacional. “Em São Paulo acabamos de derrubar um projeto semelhante ao do RS. O racismo está instituído nas Assembleias Legislativas. Mas nós temos o direito de nos alimentarmos da nossa fé de uma forma diferente. Não cometemos maus tratos e não defendemos a vitela, por exemplo, que todo gaúcho gosta e significa prender um carneiro numa gaiola pra deixar a carne mais clara”, compara.
O abate bovino, suíno e ovinos no Brasil vem batendo recordes nos últimos anos. Conforme dados do IBGE, foram 34,4 milhões de cabeças abatidas em 2013. Deste percentual, 65,1% corresponde a região Sul do país. “Eu nunca vi este pessoal protestar em frente aos matadouros ou aqui mesmo no Largo Glênio Peres em que tivemos agora apouco a Feira do Peixe”, questionou o estudante Guilardo Silveira , presente ao ato contra o sacrifício de animais.
Ele ficou impressionado com a cena representada pelos ativistas e é contra o PL 21/2015. “Eu acho errado existir um projeto de lei para tentar mudar uma cultura. A religião africana faz parte da cultura do país, somos descendentes dos africanos. Não fazem nenhuma proposta pra mudar a cultura do gaúcho que se alimenta de churrasco. Quer dizer que contra cultura negra pode, contra a cultura branca que impera na produção de gado não?”, indagou.
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
‘Oferte amor, não sangue’
O grupo de ativistas em defesa dos animais se autodefine como independentes e veganos (filosofia de vida que não consome animais ou qualquer produto de origem animal). Entre eles estavam uma gaúcha radicada na França e um francês, militantes em campanhas internacionais de Peta (People for the Ethical Treatment of Animals) e Sea Shepherd Conservation Society.
“Oferte amor e não sangue” e “Sacrificar crianças também já foi parte da cultura e tradição” eram as palavras destacadas nos cartazes empunhados por eles durante duas horas de intervenção no Centro de Porto Alegre. Muitos curiosos paravam para ler as frases, tirar fotos ou tentar identificar o que significava o ato. “Não acreditei quando vi. Mas não concordo com esta descaracterização da minha religião”, disse a auxiliar de serviços gerais, Sandra Susete.
‘Idiota’, ‘Sinistro’ e outras interjeições eram feitas por alguns que olhavam e minutos depois saiam do local do protesto. Alguns chegaram a confundir os manifestantes com cadáveres. “Eles estão mortos?”, perguntou uma mulher muito impactada.
“Estão tentando transformar um ato de proteção aos animais com um ato de intolerância religiosa e não é isso. Eu, por exemplo, sou simpatizante de umbanda, sou filha de Oxum, não tenho preconceito com isso. Mas não é uma questão humana aqui, é o sacrifício de animais. Vidas morrem em nome de um Deus. Somos contra todo tipo de exploração animal”, defende a ativista Luzia Goulart.
“Estão repetindo o que fizeram há 500 anos quando retiraram a identidade do povo que tem nos orixás o único elo com a mãe África. Só o racismo pode ter motivado um projeto que cita apenas os povos de terreiro. Nós não somos religião, somo tradição milenar e ela não tem o direito de ferir este princípio que habita dentro de mim e no meu povo. Mas com a força do orixá, não vai vencer. Seguiremos mobilizados”, diz Mãe Vera Soares.
Veja fotos:
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Intelectuais negros estão fora da bibliografia, criticam especialistas

Intelectuais negros estão fora da bibliografia, criticam especialistas

Criado em 13/05/15 13h56 e atualizado em 13/05/15 13h55
Por Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil Edição:Lílian Beraldo Fonte:Agência Brasil
Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Jurema Werneck e Sueli Carneiro são apenas alguns nomes da extensa lista de intelectuais negros brasileiros. Não é incomum, entretanto, que um estudante deixe o ensino superior sem conhecer e sem ter lido nada desses pensadores. Para pesquisadores, falta à academia e à educação de forma geral um conhecimento maior sobre a intelectualidade negra, não apenas brasileira. É preciso também ter acesso a obras de pensadores negros traduzidas.
A busca pelo protagonismo negro foi o que motivou a pesquisa do professor de história Carlos Machado. No livro Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente, ele compilou algumas histórias e legados de pesquisadores negros para a humanidade. Ele explica que essas pessoas são responsáveis por invenções que fazem parte do nosso cotidiano. "Mas o eurocentrismo escondeu ou apagou essa história como se ela não existisse e aí essas informações, uma parcela delas, ficou como se fosse um legado europeu", disse.
Segundo ele, a matemática tem origem no continente africano, assim como a astronomia e a universidade. "Há anos eu tinha ouvido falar que as primeiras universidades do mundo tinham sido construídas na Europa, como a Universidade de Bologna no século 11, mas há notícias de universidades, centro de estudos na África já no século 30 antes de Cristo", diz. "Temos diversas influências africanas no nosso cotidiano, na metalurgia, selagem, na filosofia, na engenharia, na arquitetura, no urbanismo, a presença negra está além da música e da cultura, a presença negra está em vários campos do conhecimento e isso precisa ser resgatado para além do século 21."
A pesquisa, no entanto, não foi fácil. Machado conta que, em 1995, quando buscava por pesquisadores negros, "aparecia cientista negro como obra de ficção científica e não como algo real". Segundo ele, esse apagamento do protagonismo negro data do processo de escravidão, que começou a partir do século 15 e tinha como objetivo desumanizar quem era escravizado. "Você não dominava apenas com as armas. Você dominava por meio da cultura e da religião. Então você tinha que destruir totalmente este ser humano. Então, ele tinha que abraçar totalmente a cultura europeia como se fosse a única possível. E a cultura africana foi vista como uma coisa bárbara, baixa, selvagem".
A dificuldade que ele encontrou na década de 90 persiste hoje. Segundo a advogada e pós-doutora pela Universidade de Texas Ana Luiza Flausino esse é um desafio que a universidade brasileira coloca para os pesquisadores negros. "Os nossos temas são vistos com muita desconfiança", diz. “De forma geral, nós não traduzimos textos de pessoas negras de África e da diáspora. A universidade não tem cumprido esse papel de priorizar também a tradução de textos, só fica reeditando clássicos europeus. A gente tem pouco acesso, em língua portuguesa, a alguns clássicos fundamentais e não estou colocando só pessoas negras, mas de indianos, do oriente. A gente tem tão pouca coisa que circula em termos globais, que a gente acaba perdendo com a possibilidade de troca", diz.
O mestrando em direito Marcos Queiroz estuda o impacto da revolução haitiana nos processos constituintes do Brasil e da Colômbia na Independência. "[Os autores negros] muitas vezes não estão na bibliografia, dependendo da forma como se faz o curso, pode-se nunca ler um autor negro", diz. "A academia nos exclui dos espaços do fundamento teórico, de pesquisa".
"Não é só estar dentro da universidade, a gente quer que o conhecimento mude, que a gente conheça autores negros, que leia sobre autores negros e não só negros pesquisando o que a universidade sempre pesquisou", diz. "Acho que a universidade reflete uma das facetas mais tenebrosas do racismo. Apaga nossas trajetórias e nosso conhecimento", diz Queiroz.
Editor Lílian Beraldo

Herdeiros do candomblé Crianças têm a missão de levar adiante a religião dos ancestrais em uma sociedade intolerante

Herdeiros do candomblé Crianças têm a missão de levar adiante a religião dos ancestrais em uma sociedade intolerante

Marcionila Teixeira
Publicação: 31/10/2012 17:35 Atualização: 31/10/2012 19:39

 (Annaclarice Almeida/DP/D.A/Press)
As longas saias das crianças rodopiam no salão. São rosas, azuis, amarelas. Ao fundo, um som ritmado de meninos e meninas ao ngoma, um tipo de tambor, orienta a dança e o canto entoado aos orixás da casa. Em um terreiro cujas paredes são tomadas por quadros de santos católicos e imagens de candomblé, eles celebram a religião que abraçaram para as próprias vidas. Têm entre cinco e 14 anos, mas parecem conhecer a fundo a fé que herdaram dos ancestrais africanos. Sentem orgulho do que são, pois assumiram desde cedo responsabilidades dentro de seus terreiros. As crianças do candomblé e da jurema são o retrato de uma resistência praticamente invisível. Muitas vezes mantida sob segredo dos ouvidos menos tolerantes a religiões que não às suas.

“É a criança que herdará nossa beleza”, diz um velho provérbio em yorubá que originalmente é escrito “Omo ni yíò jogún ewa lódò wa”. A mensagem, no entanto, atravessou os anos incompreendida. Entre os anos 1920 e 1970, por exemplo, as crianças eram proibidas de entrar nos terreiros. “Cresci me escondendo embaixo da cama quando a polícia chegava no terreiro da minha mãe, onde eu morava. Se pegassem a gente, tinha multa e ela podia até perder a nossa guarda”, conta Adeíldo Paraíso, o pai Ivo de Oxum, que foi iniciado na religião aos 10 anos, no terreiro de Xambá, em São Benedito, Olinda, onde está até hoje.

Os resquícios daquela época ainda insistem em permear a vida dos que habitam os terreiros. Um tempo em que seus seguidores eram submetidos a exames de sanidade mental e tinham que apresentar atestados de antecedentes criminais para manter os salões e seus toques. “Até hoje, muitos dos seguidores da própria religião não querem iniciar seus filhos ainda crianças por preconceito. Eles acham que é cedo para envolver os filhos em algo tão sério. O problema é que isso não condiz com a religião. Tirando a criança, tiramos a raiz do terreiro”, raciocina Alexandre L’Omi L’Odò, do Centro Cultural Malunguinho.

Intolerância
Uma pesquisa de estudantes de psicologia da Fafire chamada A preparação e iniciação de crianças na comunidade Xambá, em Olinda revela que as crianças de terreiro são vítimas de intolerância religiosa na comunidade e na escola. “Elas demonstram maturidade para reagir às agressões e costumam não revidar com violência”, explica o estudante Ismael Holanda. Segundo ele, outra observação que chama a atenção é que em Pernambuco a iniciação acontece muito tarde, quando comparado com outros estados, como a Bahia, onde bebês passam pelo ritual.

Na opinião da professora Stela Caputo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), muitos pais não querem iniciar os filhos cedo porque a religião exige muitas responsabilidades. “As tarefas são cotidianas”, explica a professora, que acompanhou por 20 anos o crescimento e os depoimentos de meninos e meninas de terreiro.

http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2012/10/31/interna_vidaurbana,405367/herdeiros-do-candomble.shtml

Escolas em Terreiros são pioneiras no ensino de Cultura Afro

Por: Val Benvindo e Wesley Miranda
Postagem: 10:00 04/11/2014
Escolas em Terreiros são pioneiras no ensino de Cultura Afro
Escola Mãe Hilda ensina cultura afro há 25 anos | Foto: divulgação
Escolas que funcionam dentro de terreiro de candomblé trabalham a história e cultura africana, conteúdo que se tornou obrigatório após a lei 10.639/03
A Lei 10.639\03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas redes de ensino pública e particular, completou dez anos em 2013 ainda com dificuldades na implementação. Enquanto escolas baianas descumprem a lei, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), o conteúdo já faz parte do currículo das escolas de Salvador que funcionam em terreiros de candomblé há mais tempo.
Uma delas é a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, que funciona dentro do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro do São Gonçalo do Retiro. A escola nasceu como uma creche chamada Mini Comunidade Obá Biyi, em 1968, e era mantida pela Iyalorixá Maria Stella de Azevedo Santos, mais conhecida como Mãe Stella, e alguns membros da sociedade civil.
A partir de 1978, a creche passou a chamar-se Escola Eugênia Anna dos Santos e atendia alunos do 1º ao 4º ano do ensino fundamental e só foi municipalizada em 1998. No ano seguinte, foi implantado o Projeto Político Pedagógico Yrê Ayó, que está pautado na História e Cultura  Afro-brasileira. Atualmente, após a reforma e ampliação, em2004, a instituição atende cerca de 296 alunos na faixa etária entre 5 e 12 anos.
Não trabalhamos o candomblé, a religião em si, na escola. Trabalhamos com os elementos da cultura africana e isso muito antes da Lei 10.639/03, diz Hildelice Benta, diretora da Escola Mãe Hilda
Segundo a diretora da instituição, Analice Mendes, a escola começou a trabalhar com o Yrê Ayó cinco anos antes da Lei 10.639\03 por perceber a necessidade dos alunos afrodescendentes de saber sobre suas raízes para sobreviver numa sociedade que não costuma valorizar a cultura nagô. “Trabalhamos com a questão dos mitos e da cultura africana para ajudar no aprendizado dos alunos. Atividades em roda, com o meio ambiente, tudo isso colabora no processo de entendimento”, diz Analice.
Pelo fato de a escola estar em um terreiro, muitas pessoas acham que a maioria dos professores e alunos são pertencentes ou estão relacionados à religião do candomblé. “As pessoas costumam confundir mas, por incrível que pareça, a maioria dos alunos atualmente é evangélica”, desmistifica a diretora. “Nós (professores) somos todos concursados e não temos relação com a religião, a não ser algumas simpatias que fazemos para arrumar marido”, brinca.
Em Salvador, também há a Escola Mãe Hilda, que funcionou durante dezesseis anos dentro do Terreiro Ilê Axé Jitolu, no bairro Curuzu. Criada em 1988, a escola funcionava, no início, como um reforço escolar ministrado pelas filhas da Iyalorixá Hilda Dias dos Santos, a Mãe Hilda Jitolu, fundadora da instituição, para as crianças da comunidade.
Ao perceber que a quantidade de alunos aumentou com o passar dos anos, a mãe de santo propôs ao Ilê Aiyê, do qual ela era mentora espiritual, que uma escola de ensino básico fosse criada. “Mãe resolveu criar a escola para atender as crianças da comunidade e também os filhos do pessoal do terreiro. Começamos sozinhos e depois tivemos a ajuda de algumas empresas. A pedido dela foi criada a Band’Erê, escola de percussão, canto e dança, para atender as crianças no horário oposto ao da escola”, conta Vovô do Ilê.

Mãe Hilda sempre defendeu a necessidade de ensinar às crianças a preservar e expandir os valores da cultura africana no Brasil. E, foi partir deste pensamento, que a escola rendeu frutos, como o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê (PEP). Criado em 1995, o PEP levava o jeito de ensinar da Escola Mãe Hilda para as escolas públicas do entorno.
“Hoje atendemos cerca de 130 crianças, da alfabetização à 4ª série do ensino fundamental”, diz Hildelice Benta, diretora da escola. Desde 2004, a escola funciona no Centro Cultural Senzala do Barro Preto, Sede do Ilê. No entanto, com frequência os alunos vão ao terreiro para aulas lúdicas e para render homenagens a sua criadora. “Não trabalhamos o candomblé, a religião em si, na escola. Trabalhamos com os elementos da cultura africana e isso muito antes da Lei 10.639/03?, completa Hildelice.
Essas escolas, além de ensinar o mesmo conteúdo das instituições de educação básica tradicionais, ajudam o aluno a aprender a respeitar o próximo, independente de sexualidade, cor ou religião, conhecem uma nova língua – o Yorubá -, descobrem como povos africanos respeitam a natureza e têm contato com mitos e ervas.
Segundo Stela Caputo, professora da UERJ e autora do livro “Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças de candomblé”, as escolas públicas não conseguem combater o preconceito religioso, principalmente por conta da intolerância. “Na escola, mais importante do que aprender física ou matemática, é aprender a não ser racista”, defende a autora.

Só 1,6% dos moradores de domicílios irregulares tinha diploma universitário em 2010

Só 1,6% dos moradores de domicílios irregulares tinha diploma universitário em 2010

06/11/2013 - 10h29
Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Somente 1,6% dos moradores de aglomerados subnormais (favelas, invasões, assentamentos etc) tinha diploma universitário no Brasil, ante 14,7% da população residente de outras áreas das cidades, em 2010. Os dados são da pesquisa Áreas de Divulgação da Amostra para Aglomerados Subnormais, lançada pela primeira vez hoje (6) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  A nova pesquisa utiliza dados do questionário da amostra do Censo 2010, aplicado em mais de 6 mil domicílios brasileiros para diferenciar com mais detalhes a vida nas favelas e nas demais áreas da cidade.
O pesquisador da Coordenação de Geografia do IBGE, Maurício Gonçalves e Silva, lembrou que embora as desigualdades entre moradores de favelas e de outras áreas urbanas do Brasil não sejam novidade, a dimensão dessas discrepâncias sociais e educacionais foi dada pela primeira vez com o estudo.
“Não é que todos devam ter nível superior, mas ver que na mesma parte da cidade pessoas que convivem no mesmo ambiente, nas mesmas ruas, têm níveis de escolaridade tão diferentes mostram dois mundos em um mesmo espaço”, comentou o pesquisador. Ele deu como exemplo os bairros da Glória e de Copacabana, na zona sul da cidade, onde cerca de 50% dos moradores de favelas não tinham instrução, enquanto entre os moradores de outras áreas do bairro 50% tinham nível superior completo.
Em relação aos rendimentos, 31,6% dos moradores dos aglomerados subnormais tinham rendimento domiciliar per capita até meio salário mínimo, ante 13,8% nas outras áreas urbanas. Apenas 0,9% dos moradores de comunidades carentes tinham rendimento domiciliar per capita de mais de cinco salários mínimos, ante 11,2% nas demais áreas da cidade.
Quase 28% dos trabalhadores moradores dessas comunidades não tinham carteira assinada em relação às outras áreas da cidade (20,5%). A exceção foi verificada em Florianópolis, onde 10,5% dos moradores de comunidades pobres não tinham carteira assinada, ante 15,1% das demais áreas da cidade.
O estudo mostra também que a geladeira e a televisão eram os bens praticamente universalizados tanto nos domicílios irregulares quanto nas habitações regulares. Também não foi verificada diferença na posse de motocicleta entre as duas áreas, sendo 11,3% nas demais áreas e 10,3% nos aglomerados subnormais. As desigualdades maiores foram registradas quando a pergunta era sobre posse de máquina de lavar, computador e acesso à internet. Menos da metade dos moradores em aglomerados subnormais (41,4%) tinha máquina de lavar, ante 66,7% dos moradores nas demais áreas; 27,8% tinham computador, em comparação com 55,6% da população das outras áreas; e 20,2% tinham computador com acesso à internet, contra 48% das demais áreas.
Ao comparar o tempo de deslocamento para o trabalho gasto por moradores de favelas com o de outras partes da cidade, a pesquisa revelou pouca variação entre um grupo e outro. Enquanto 19,7% dos trabalhadores brasileiros que moravam em aglomerados subnormais demoravam mais de uma hora por dia no deslocamento para o trabalho, esse percentual para quem morava em outras áreas da cidade era 19%. No Rio de Janeiro, 21,9% dos moradores de favelas levavam mais de uma hora por dia para chegar ao trabalho, enquanto nas outras áreas da cidade essa proporção era 26,3%. Em Salvador, a diferença era 21,8% para os moradores de habitações irregulares e 22,12% para as irregulares.
Em São Paulo, 37% da população residente em aglomerados subnormais levavam mais de uma hora para chegar ao local de trabalho, em contraste com 30% dos moradores das demais áreas da cidade. No caso do Rio e de Salvador, o pesquisador ressaltou que a topografia dessas cidades colaborou para que as pessoas ocupassem áreas centrais também como estratégia para economizar tempo e dinheiro no percurso casa-trabalho.
Edição: Graça Adjuto
 à Agência Brasil

Escola infantil envolve comunidade para debater racismo e gênero na educação/“Neguinha, não. Meu nome é Shirley”

Por Juliana Sada, do Centro de Referências em Educação Integral 
Quando pequenas, é comum as crianças se divertirem imaginando o que serão quando “grandes”. Brincam de médicas enquanto examinam uma boneca. Com as mãos no volante imaginário, pensam ser motoristas pelas cidades. Segurando um lápis e com uma parede à frente, as crianças podem se transformar em professoras diante dos alunos-ursos de pelúcia.
Os sonhos são dos mais diversos e podem vir do mundo da imaginação ou das vivências de seu cotidiano – às vezes revelando a crueldade da realidade. Enquanto duas crianças brincavam em uma escola de educação infantil na zona sul de São Paulo, no bairro Jardim Maria Luiza, uma professora acompanhava de perto e escutava o que diziam. Surpresa, a educadora ouviu uma garota de três anos dizer: “quando crescer, eu quero ser branca”.
A surpresa da professora logo se tornou questionamento e reflexão partilhados com outros profissionais do Centro de Educação Infantil (CEI) Onadyr Marcondes. Quais experiências esta menina teve para se sentir assim? O que ela vivenciou que trouxesse uma negação da sua etnia? Quais estímulos ela recebeu nestes apenas três anos de vida para pensar que ser branca era melhor que ser negra?
Diversidade é exaltada no projeto político pedagógico da escola.
Diversidade é exaltada no projeto político pedagógico da escola.
A escola não tinha mais como não escutar e observar com atenção o contexto de seus alunos. A desvalorização do negro e da cultura afro-brasileira saltou aos olhos dos educadores que passaram a escutar a “fala” dos pequenos, observando suas atitudes. Como, por exemplo, o caso de crianças que não brincavam com as bonecas negras e preferiam as brancas, mesmo que estas estivessem quebradas. Outro tema que chamou a atenção foi o sexismo e a questão de gênero. Havia casos, entre outros, de garotas reclamando que os meninos não as deixavam jogar futebol “porque não é coisa para menina”.
A escuta atenta das crianças revelou muito do contexto em que viviam. Em uma aula sobre a chuva, a professora perguntou “quem aqui gosta da chuva?”. E quase todos os alunos disseram que sim, contando o porquê. Depois de um tempo, um garoto levantou a mão e disse que não gostava de quando chovia. O porquê? “Porque quando chove, a água entra na minha casa.”
Além do processo de observação, a escola decidiu conhecer de perto a realidade de seus alunos e passou a realizar uma caminhada anual pelo bairro. Após um aviso e junto às lideranças comunitárias, todos os funcionários da escola – professores, merendeiras, vigilantes e da limpeza – caminharam pelas ruas, vielas e becos percorridos pelas crianças e suas famílias e conheceram suas casas e seu território. A caminhada se repete há oito anos, com a comunidade cada vez mais receptiva e com os educadores enxergando esse exercício como um momento de colher matéria-prima para o seu trabalho. “Passamos a pensar as demandas das crianças e o que a escola pode oferecer”, relata a assistente de direção da unidade, Jacilene Ferreira de Lima.
Da constatação à ação
A partir das necessidades das crianças e da comunidade, a instituição tomou como prioritário no projeto político pedagógico tratar as temáticas das igualdades de gênero e racial. Neste processo, a escola se assumiu como um espaço de construção de conhecimento e como um ator na busca pela justiça social. “Temos que pensar qual conhecimento é necessário para a vida da criança, como para aquela que vê o córrego entrar em sua casa”, defende a diretora da Onadyr, Maristela Bayer Nepomuceno.
A escola passou a introduzir estas temáticas nas atividades realizadas junto às crianças ao mesmo tempo em que começou a realizar formações com todos os funcionários da escola. Este processo iniciado há oito anos, está em constante construção e aprimoramento.
Como o público do CEI são alunos pequenos – de bebês de sete meses até crianças de cinco anos – é preciso pensar em uma abordagem específica para apresentar as temáticas. “Valorizamos o momento das brincadeiras e levamos uma intencionalidade pedagógica a ele”, explica Jacilene.
Por meio das Rodas de Histórias, narrativas afro-brasileiras, que valorizam a cultura negra ou que discutem a igualdade, racial ou de gênero, são apresentadas às crianças. A escola também se vale do teatro, da poesia, da música, das danças, da culinária e das artes plásticas para criar um universo de pluralidade e enaltecer as diferenças. A instituição também promove ações de valorização da diversidade, como o desfile das belezas brasileiras.
Valorização da beleza de cada criança é ponto forte da escola
Valorização da beleza de cada criança é ponto forte da escola
Reprodução
No entanto, não há um currículo ou atividades já determinadas e as questões vão sendo debatidas à medida que vão surgindo. “Há uma problematização de cada profissional a partir do que acontece na sala de aula”, relata a assistente. Assim, a partir de uma fala de um aluno de que “meninos não dançam balé”, a escola fez atividades mostrando o trabalho de grandes bailarinos, realizou oficinas de danças e uma apresentação em que todos participaram. Em outro caso, enquanto as meninas eram maquiadas para um desfile, um menino disse que também queria. Mesmo com o temor do que os pais poderiam pensar se a criança chegasse maquiada em casa, a decisão da professora junto à direção foi de deixar o garoto brincar com a maquiagem como desejasse.
Repensar constante e conjunto
A realização destas atividades demanda espaço de formação e reflexões constantes dos educadores. A tarefa se torna ainda mais necessária diante da alta rotatividade dos professores e pelo fato de que a formação acadêmica dos docentes, em geral, não leva em consideração tais temáticas e debates. “Ninguém dá o que não tem”, afirma Jacilene. “É um olhar que deve ser construído”.
De terça à quinta-feira, ao final do dia, a equipe da escola se reúne para um momento de debate. Como todos são considerados educadores, todos participam do espaço: professores, merendeiras, vigilantes e as equipes de limpeza e do administrativo. “Temos essa formação para fazer uma reflexão e não naturalizarmos as práticas”, explica a coordenadora pedagógica, Joyce Anne Mol Semmler. Além disso, são realizadas formações externas oferecidas pela secretaria municipal e também com convidados que são levados aos espaços da escola.
Educadores encenam a história de Obax, uma garota sonhadora que vive na savana africana
Educadores encenam a história de Obax, uma garota sonhadora que vive na savana africana
Reprodução
A instituição tem clareza de que é necessário envolver as famílias das crianças para que o projeto político pedagógico tenha êxito. “Escola boa se faz junto à comunidade”, defende Joyce. O CEI aproveita os encontros mensais do Conselho para debater junto às famílias os temas que a instituição trabalha. Assim, a escola tenta quebrar estereótipos como o de que “homem não chora”, de que há brinquedos de menina e de menino, ou de que a responsabilidade da família é apenas da mulher. A cada início de ano também há um momento de acolhimento dos pais, apresentando a agenda e proposta da instituição.
Aliás, o debate sobre o que é a família é forte na escola: entendendo que essas não são definidas apenas como um pai, uma mãe e os filhos, a escola assumiu essa realidade e a trouxe para o debate. Ao invés dos dias dos pais e das mães, a escola promove o dia da figura feminina e o da masculina. Assim, os alunos levam à instituição aqueles que representam essa figura: avós, irmãos, tios, padrinhos, ou quem quer que seja. Esses dias comemorativos são oportunidades para questionar esses papeis e seus significados. A CEI também optou por não comemorar datas comerciais ou religiosas, promovendo mostras culturais ou festas temáticas para que as famílias frequentem. A escolha possibilitou que famílias evangélicas, que antes não se sentiam à vontade nas festas católicas, passassem a frequentar as comemorações no espaço.

“Neguinha, não. Meu nome é Shirley”...

Os impactos das ações em prol da igualdade são sentidos diariamente nestes oito anos de ações do CEI. As famílias e os educadores percebem um aumento na autoestima das crianças e na aceitação e valorização de sua condição. Em uma reunião de conselho de pais, uma mãe relatou que a filha de três anos foi chamada de “neguinha” pelo motorista do transporte escolar e respondeu prontamente: “Eu não sou neguinha. O meu nome é Shirley”. Educadores relatam que as crianças passaram a valorizar as bonecas negras, achando-as bonitas e até se identificando com elas. Até a arrumação das meninas mudou e hoje os cachos soltos são comuns. “Antes as meninas vinham só de trança ou cabelo preso e as mães falavam que era por conta de piolho. Mas a gente sabe que tem uma questão de preconceito por trás”, conta a diretora Maristela.
As discussões sobre gênero também dão frutos. Talvez a mudança mais representativa seja o crescimento do número de homens que participam dos conselhos e das atividades promovidas pela escola. “Antes não vinham”, relembra Joyce. Os educadores também relatam caso de meninos que dizem que podem sim brincar de boneca e de familiares que reconhecem o quão opressor é dizer que “menino não pode chorar”.

Escola infantil envolve comunidade para debater racismo e gênero na educação/“Neguinha, não. Meu nome é Shirley”

Escola infantil envolve comunidade para debater racismo e gênero na educação

 

Por Juliana Sada, do Centro de Referências em Educação Integral 
Quando pequenas, é comum as crianças se divertirem imaginando o que serão quando “grandes”. Brincam de médicas enquanto examinam uma boneca. Com as mãos no volante imaginário, pensam ser motoristas pelas cidades. Segurando um lápis e com uma parede à frente, as crianças podem se transformar em professoras diante dos alunos-ursos de pelúcia.
Os sonhos são dos mais diversos e podem vir do mundo da imaginação ou das vivências de seu cotidiano – às vezes revelando a crueldade da realidade. Enquanto duas crianças brincavam em uma escola de educação infantil na zona sul de São Paulo, no bairro Jardim Maria Luiza, uma professora acompanhava de perto e escutava o que diziam. Surpresa, a educadora ouviu uma garota de três anos dizer: “quando crescer, eu quero ser branca”.
A surpresa da professora logo se tornou questionamento e reflexão partilhados com outros profissionais do Centro de Educação Infantil (CEI) Onadyr Marcondes. Quais experiências esta menina teve para se sentir assim? O que ela vivenciou que trouxesse uma negação da sua etnia? Quais estímulos ela recebeu nestes apenas três anos de vida para pensar que ser branca era melhor que ser negra?
Diversidade é exaltada no projeto político pedagógico da escola.
Diversidade é exaltada no projeto político pedagógico da escola.
A escola não tinha mais como não escutar e observar com atenção o contexto de seus alunos. A desvalorização do negro e da cultura afro-brasileira saltou aos olhos dos educadores que passaram a escutar a “fala” dos pequenos, observando suas atitudes. Como, por exemplo, o caso de crianças que não brincavam com as bonecas negras e preferiam as brancas, mesmo que estas estivessem quebradas. Outro tema que chamou a atenção foi o sexismo e a questão de gênero. Havia casos, entre outros, de garotas reclamando que os meninos não as deixavam jogar futebol “porque não é coisa para menina”.
A escuta atenta das crianças revelou muito do contexto em que viviam. Em uma aula sobre a chuva, a professora perguntou “quem aqui gosta da chuva?”. E quase todos os alunos disseram que sim, contando o porquê. Depois de um tempo, um garoto levantou a mão e disse que não gostava de quando chovia. O porquê? “Porque quando chove, a água entra na minha casa.”
Além do processo de observação, a escola decidiu conhecer de perto a realidade de seus alunos e passou a realizar uma caminhada anual pelo bairro. Após um aviso e junto às lideranças comunitárias, todos os funcionários da escola – professores, merendeiras, vigilantes e da limpeza – caminharam pelas ruas, vielas e becos percorridos pelas crianças e suas famílias e conheceram suas casas e seu território. A caminhada se repete há oito anos, com a comunidade cada vez mais receptiva e com os educadores enxergando esse exercício como um momento de colher matéria-prima para o seu trabalho. “Passamos a pensar as demandas das crianças e o que a escola pode oferecer”, relata a assistente de direção da unidade, Jacilene Ferreira de Lima.
Da constatação à ação
A partir das necessidades das crianças e da comunidade, a instituição tomou como prioritário no projeto político pedagógico tratar as temáticas das igualdades de gênero e racial. Neste processo, a escola se assumiu como um espaço de construção de conhecimento e como um ator na busca pela justiça social. “Temos que pensar qual conhecimento é necessário para a vida da criança, como para aquela que vê o córrego entrar em sua casa”, defende a diretora da Onadyr, Maristela Bayer Nepomuceno.
A escola passou a introduzir estas temáticas nas atividades realizadas junto às crianças ao mesmo tempo em que começou a realizar formações com todos os funcionários da escola. Este processo iniciado há oito anos, está em constante construção e aprimoramento.
Como o público do CEI são alunos pequenos – de bebês de sete meses até crianças de cinco anos – é preciso pensar em uma abordagem específica para apresentar as temáticas. “Valorizamos o momento das brincadeiras e levamos uma intencionalidade pedagógica a ele”, explica Jacilene.
Por meio das Rodas de Histórias, narrativas afro-brasileiras, que valorizam a cultura negra ou que discutem a igualdade, racial ou de gênero, são apresentadas às crianças. A escola também se vale do teatro, da poesia, da música, das danças, da culinária e das artes plásticas para criar um universo de pluralidade e enaltecer as diferenças. A instituição também promove ações de valorização da diversidade, como o desfile das belezas brasileiras.
Valorização da beleza de cada criança é ponto forte da escola
Valorização da beleza de cada criança é ponto forte da escola
Reprodução
No entanto, não há um currículo ou atividades já determinadas e as questões vão sendo debatidas à medida que vão surgindo. “Há uma problematização de cada profissional a partir do que acontece na sala de aula”, relata a assistente. Assim, a partir de uma fala de um aluno de que “meninos não dançam balé”, a escola fez atividades mostrando o trabalho de grandes bailarinos, realizou oficinas de danças e uma apresentação em que todos participaram. Em outro caso, enquanto as meninas eram maquiadas para um desfile, um menino disse que também queria. Mesmo com o temor do que os pais poderiam pensar se a criança chegasse maquiada em casa, a decisão da professora junto à direção foi de deixar o garoto brincar com a maquiagem como desejasse.
Repensar constante e conjunto
A realização destas atividades demanda espaço de formação e reflexões constantes dos educadores. A tarefa se torna ainda mais necessária diante da alta rotatividade dos professores e pelo fato de que a formação acadêmica dos docentes, em geral, não leva em consideração tais temáticas e debates. “Ninguém dá o que não tem”, afirma Jacilene. “É um olhar que deve ser construído”.
De terça à quinta-feira, ao final do dia, a equipe da escola se reúne para um momento de debate. Como todos são considerados educadores, todos participam do espaço: professores, merendeiras, vigilantes e as equipes de limpeza e do administrativo. “Temos essa formação para fazer uma reflexão e não naturalizarmos as práticas”, explica a coordenadora pedagógica, Joyce Anne Mol Semmler. Além disso, são realizadas formações externas oferecidas pela secretaria municipal e também com convidados que são levados aos espaços da escola.
Educadores encenam a história de Obax, uma garota sonhadora que vive na savana africana
Educadores encenam a história de Obax, uma garota sonhadora que vive na savana africana
Reprodução
A instituição tem clareza de que é necessário envolver as famílias das crianças para que o projeto político pedagógico tenha êxito. “Escola boa se faz junto à comunidade”, defende Joyce. O CEI aproveita os encontros mensais do Conselho para debater junto às famílias os temas que a instituição trabalha. Assim, a escola tenta quebrar estereótipos como o de que “homem não chora”, de que há brinquedos de menina e de menino, ou de que a responsabilidade da família é apenas da mulher. A cada início de ano também há um momento de acolhimento dos pais, apresentando a agenda e proposta da instituição.
Aliás, o debate sobre o que é a família é forte na escola: entendendo que essas não são definidas apenas como um pai, uma mãe e os filhos, a escola assumiu essa realidade e a trouxe para o debate. Ao invés dos dias dos pais e das mães, a escola promove o dia da figura feminina e o da masculina. Assim, os alunos levam à instituição aqueles que representam essa figura: avós, irmãos, tios, padrinhos, ou quem quer que seja. Esses dias comemorativos são oportunidades para questionar esses papeis e seus significados. A CEI também optou por não comemorar datas comerciais ou religiosas, promovendo mostras culturais ou festas temáticas para que as famílias frequentem. A escolha possibilitou que famílias evangélicas, que antes não se sentiam à vontade nas festas católicas, passassem a frequentar as comemorações no espaço.
“Neguinha, não. Meu nome é Shirley”
Os impactos das ações em prol da igualdade são sentidos diariamente nestes oito anos de ações do CEI. As famílias e os educadores percebem um aumento na autoestima das crianças e na aceitação e valorização de sua condição. Em uma reunião de conselho de pais, uma mãe relatou que a filha de três anos foi chamada de “neguinha” pelo motorista do transporte escolar e respondeu prontamente: “Eu não sou neguinha. O meu nome é Shirley”. Educadores relatam que as crianças passaram a valorizar as bonecas negras, achando-as bonitas e até se identificando com elas. Até a arrumação das meninas mudou e hoje os cachos soltos são comuns. “Antes as meninas vinham só de trança ou cabelo preso e as mães falavam que era por conta de piolho. Mas a gente sabe que tem uma questão de preconceito por trás”, conta a diretora Maristela.
As discussões sobre gênero também dão frutos. Talvez a mudança mais representativa seja o crescimento do número de homens que participam dos conselhos e das atividades promovidas pela escola. “Antes não vinham”, relembra Joyce. Os educadores também relatam caso de meninos que dizem que podem sim brincar de boneca e de familiares que reconhecem o quão opressor é dizer que “menino não pode chorar”.

 

Coletivo resgata tranças e penteados afro para valorizar identidade da mulher negra

Manifesto Crespo
Quando essa preta
Começa a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda trama da trança
Transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar
Pra botar no cabelo
Toda minúcia, toda delícia…
Estes versos da música Beleza Pura, de Caetano Veloso, estão sempre presentes nas oficinas Tecendo e trançando arte, dadas pelo Coletivo Manifesto Crespo. Formado por quatro mulheres, o grupo discute as questões do universo da cultura afro-brasileira e busca fortalecer a memória e a autoestima de mulheres negras sob o viés da valorização do cabelo crespo.
Foi a partir da seleção em um edital da VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) que o coletivo começou a tomar forma – apesar de todas as integrantes já possuírem relação direta com a temática. Denna Hill, por exemplo, é trancista desde adolescente; Nina Vieira trabalha fotografando cabelos. Lúcia Udemezue e Thays Quadros completam a formação do Manifesto Crespo.
Oficina de tranças no Sesc Pompéia.
Oficina de tranças no Sesc Pompéia.
Nina Vieira
“O cabelo é uma das partes mais intrincadas do corpo negro. Especificamente na mulher, ele aparece com muita força: a mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade”, afirma Denna, que sustenta um volumoso cabelo encrespado. “Por conta disso, sofremos muita violência estética e isso gera várias consequências, principalmente no processo de formação ao longo da vida.”
Patrimônio imaterial
A trança possui a tradição de ser um aprendizado geracional, quando mães e avós ensinam as filhas a usá-las e praticá-las. Para Nina, trata-se de “um patrimônio imaterial”. “Minha mãe me ensinou a fazer trança quando tinha sete anos, eu aplicava muito nas bonecas. Morávamos com minhas primas e passei a trançar o cabelo delas. Como eram três meninas em casa, uma trançava o cabelo da outra”, rememora Denna, que, quando adolescente, passou a trançar em salões de beleza. Mesmo assim, alisou o próprio cabelo até os 21 anos.
Manifesto Crespo“Quando comecei a ter contato com pessoas que circulavam nas frentes de diálogos raciais e movimentos negros, comecei a repensar essa questão do alisamento”, relembra. “Um dia, cheguei em casa e pedi para minha mãe tirar todo o alisamento da minha cabeça. Ela chorou. Na época, ela alisava muito e não conseguia se libertar disso. Hoje, tem um blackpower e nem se imagina sem ele.”
A mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade
Já Nina utiliza dreadlocks há mais de sete anos. “Quando criança, minha mãe fazia em mim trancinhas bem fininhas. Era lindo, um ritual do final de semana, ela sempre cuidou com muito carinho e amor do meu cabelo. Mas aí chegava na escola e vinha aquele monte de apelido, zoação e segregação”, lamenta. “Convivi muito com esse contraponto. Em casa era lindo, e na escola era um bombardeio de racismo. Passei a usar o cabelo solto, mas minha mãe não deu conta e rapidinho já passou um alisante.”
No Ensino Médio, Nina fez tranças com lãs coloridas e descobriu que não mais precisaria alisar o cabelo. “Daí por diante foi só reflexão sobre a questão do corpo, do cabelo, a minha aparência, o quanto isso reflete e referencia as pessoas.”

Manifesto Crespo
Eu vou pentear os meus cabelos 
Depois vou falar pra mina ali trançar os meus cabelos
Eu vou lavar os meus cabelos
Secá, pintá, alisá, cerá meus cabelos
Eu vou raspar os meus cabelos
Vou ficar penteando com escovinha de dedo os meus cabelos
Eita é cabeleira pra daná, aonde é que isso vai dar 

As oficinas do Manifesto Crespo ensinam quatro técnicas de trançagem, além de outras maneiras de pentear o cabelo crespo – o turbante faz grande sucesso entre as participantes. Realizadas inicialmente em espaços comunitários como o Quilombaque de Perus, os CEUs de Guaianazes e Inácio Monteiro, o Cedeca e os ensaios do bloco Ilú Obá de Min, com a chegada do patrocínio do VAI, o grupo passou a frequentar espaços maiores, como SESCs e ONGs.
A atividade começa com uma dinâmica de grupo, na qual cada participante conta um pouco de sua história capilar. Então, há espaço para reflexão sobre o assunto, seguida da parte prática.
Técnicas de turbante também são ensinadas durante as oficinas.
Técnicas de turbante também são ensinadas durante as oficinas.
Nina Vieira
As oficinas do Manifesto Crespo geraram empreendimentos focados na beleza negra. Uma ex-participante fundou a Makeda Cosméticos, uma empresa que desenvolve shampoo e cremes hidratantes para cabelos crespos e leva o nome de uma rainha africana.  Outro negócio inovador, fruto do contato com as oficinas, é a Boutique de Krioula, que vende turbantes pela internet e já virou referência no Brasil.
“Normalmente o cabelo está sempre associado à uma questão negativa para as mulheres negras. ‘Quando eu era criança todo mundo na escola me chamava de medusa’ é um relato muito frequente. É a partir dessas percepções que começamos esse trabalho de gênero e raça, tentando minimamente desconstruir essa ideia pronta de que o corpo negro é um corpo feio.”
Para Nina, é muito duro aceitar que o corpo negro seja depreciado historicamente.“Sempre tem algo para ser desconstruído: é o cabelo chamado de duro e ruim, o corpo visto como feio e desajeitado. Existe um padrão de beleza inatingível muito reforçado pelos veículos de comunicação de massa que não atinge a todas as mulheres, mas com as meninas negras isso é muito potencializado.”
As oficinas costumam reunir 20 pessoas de idades variadas – inclusive homens. “Queremos que os homens entendam que esse tema não é só para mulher, há uma discussão de gênero também. É sempre gratificante e muito rico quando homens aparecem, e é legal que muitas vezes eles são mais participativos que as mulheres, chegam para falar, perguntar e aprender”, aponta Denna. “Afinal, muitos dos relatos femininos de experiência com o corpo, de depreciação e degradação, estão ligados ao homem.”
Dentro daquele turbante
Do filho de Gandhi
Manifesto CrespoÉ o que há
Tudo é chique demais
Tudo é muito elegante
Manda botar!
Fina palha da costa
E que tudo se trance
Todos os búzios
Todos os ócios…
Em parceria com a União Popular de Mulheres do Campo Limpo, o coletivo recentemente foi laureado com o Prêmio Lélia Gonzalez – Protagonismo de organizações de mulheres negras, que possibilitará a realização das oficinas em cinco territórios do estado de São Paulo. “Em 2014 ultrapassamos as barreiras da cidade, e o trabalho está começando a se expandir para outros lugares”, comemora Nina.
Sempre tem algo para ser desconstruído: é o cabelo chamado de duro e ruim, o corpo visto como feio e desajeitado
O primeiro desses trabalhos aconteceu no Quilombo da Caçandoca, em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Em dezembro de 2014, o coletivo realizou oficinas de tranças e turbantes com a comunidade quilombola, que as recebeu “com muito carinho, acolhimento e atenção”, segundo Nina.
Participantes da oficina "Tecendo e trançando arte" no quilombo de Caçandoca (Ubatuba/SP).
Participantes da oficina “Tecendo e trançando arte” no quilombo de Caçandoca (Ubatuba/SP).
Nina Vieira
Ainda haverá visitas à aldeia indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (extremo sul de São Paulo); ao Jongo Dito Ribeiro, em Campinas; à Festa de São Benedito, em Tietê; e ao Teatro Popular Solano Trindade, em Embu das Artes.

FILMOTECA orgulho de ser negro...

Em 1970, o ator e diretor Ossie Davis lançava o filme “Rififi no Harlem”, considerado o primeiro filme do que viria a ser conhecido como “Blaxpoitation”, um gênero protagonizado, dirigido, roteirizado e produzido por negros nos Estados Unidos, que teve seu auge nos anos setenta. Filmes policiais, de gângsters, faroeste e até de terror eram “sampleados”, nas palavras do crítico de cinema, pesquisador e especialista no gênero Heitor Augusto.
heitorHeitor Augusto é crítico de cinema e pesquisador, educador e está preparando um livro sobre blaxpoitation que deverá ser publicado até o final de 2015. Escreve para a revista Interlúdio e mantém o site http://ursodelata.com/.
“Blaxpoitation significou uma explosão do negro no cinema, tanto na frente das câmeras, protagonizando suas histórias, nos seus lugares, como também atrás das câmeras”, afirma o crítico. Para ele, esse conjunto de filmes, reflete uma radicalização no pensamento negro. “Eles abriram mão de um discurso conciliador, melhorista, para dizer: essa é nossa hora, queremos ser protagonistas de nossas histórias. Isso é black power. Isso é gritar que Black is beautiful (“O negro é lindo”) e Say it loud, i’m black and i’m proud(Grite, sou negro e orgulhoso)”.
Talvez você já tenha ouvido falar do gênero a partir de suas referências no cinema atual, mais notadamente nas obras de Spike Lee e Quentin Tarantino (com Jackie Brown e Django Livre). Mas quando ele apareceu, foi uma revolução nas salas de cinema dos EUA. Pela primeira vez, o país que teve um dos alicerces de seu cinema no “Nascimento de uma nação”, de D.W. Griffith, que conta a história do surgimento da organização de supremacia branca Klu Klux Klan, e na qual os negros sempre apareciam em papéis secundários ou subalternizados – quando apareciam – passou a ter parte de sua população representada e representando nas grandes telas.
Mas tampouco era o único passo: os anos setenta se forjaram, para o povo negro norte-americano, na sequência das lutas pelos direitos e civis e os consequentes assassinatos de Malcom X e Martin Luther King. Os negros tornaram-se sujeitos de direitos, mas ainda sofriam – e sofrem – com os efeitos de centenas de anos de segregação racial e escravidão. Enquanto os panteras negras organizavam as comunidades, Sun Ra criava o afrofuturismo, James Brown cantava o funk e havia a progressiva afirmação de uma estética negra que, segundo Augusto, “não pedia licença para existir”. “Existe porque tem orgulho da negritude, de seu passado e sabem que isso lhes dá força, dá distinção, lhes dá poder”.
E o que resgatar esse gênero hiperbólico, muitas vezes criticado, tem a dizer para o Brasil, nosso cinema e aos brasileiros? Para o crítico, que atualmente trabalha em um livro sobre o tema, o Blaxpoitation ainda pode comunicar muito aos jovens. “Muitas das situações retratadas nos filmes, a falta de perspectiva, as drogas, a opressão, a violência policial, a raiva do sistema. Qualquer moleque negro manja disso. No “Cleopatra Jones” tem uma cena de esculacho no qual a polícia planta heroína – de verdade! – em uma pessoa. Quantos meninos não viveram isso? Quanto isso não ajuda a ilustrar nossa realidade?”, questiona Augusto.
Na última semana, o Portal Aprendiz publicou uma reportagem sobre o projeto “Manifesto Crespo”, que trabalha com a questão da identidade negra a partir do cabelo. “O cabelo é uma das partes mais intrincadas do corpo negro. Especificamente na mulher, ele aparece com muita força: a mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade. Por conta disso, sofremos muita violência estética e isso gera várias consequências, principalmente no processo de formação ao longo da vida”, afirmou, então, a trancista Denna Hill. Para engrossar esse caldo, lembramos do período cinematográfico que gritou que o negro é lindo e imortalizou o black power – estilo de cabelo conhecido como “afro”, que no Brasil ganhou a alcunha do movimento de resistência negra – e pedimos que Heitor Augusto nos indicasse dez filmes. Confira abaixo:
Sweet Sweetback’s Baadasssss Song (1971)
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Dirigido, produzido e protagonizado por Melvin Van Peebles, o filme conta a história de um homem em fuga da opressão da polícia branca. Com trilha sonora do Earth Wind & Fire, é destacado por Augusto por ter uma das melhores trilhas do gênero e por ser um “road movie” com um herói forasteiro e foragido, que “desafia um estado e uma polícia racista”.
A obra foi considerada por Huey P. Newton, fundador do movimento Panteras Negras, como fundamental e passou a ser bibliografia obrigatória para todos os membros do grupo.
Shaft (1971)
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“A quintessência do cool”. Assim Heitor Augusto lembra do filme de 1971, reeditado em 2000 com Samuel L. Jackson como protagonista. Mas o que é o cool? Para explicá-lo, uma breve digressão com a ajuda da biografia de Walt Frazier, ex-jogador de basquete.
“O cool é uma qualidade admirada nas comunidades negras. Ser cool é questão de auto-preservação e sobrevivência. Deve vir do tempo da escravidão, quando muitas vezes tudo que um negro tinha para se defender era sua postura. Se ele demonstrasse medo ou raiva, ele sofreria as consequências. Hoje, o cara respeitado no gueto é aquele que resiste ao impulso de explodir – que consegue lidar consigo mesmo numa crise, que consegue sair de uma briga no papo.
O cool também provê uma uma defesa para a comunidade no gueto. É usada contra adversidades coletivas como, por exemplo, contra os policiais, que são mal vistos nas comunidades. (…) Algumas pessoas podem achar que o cool é um afastamento de sentimentos reais. Mas às vezes, manter o cool é a coisa mais sensível a se fazer”.
Essa atitude, marcada por um distanciamento contemplativo e elegante, que proliferou também na indústria cultural, é evidente na cena de abertura do filme, que narra a história de um policial negro, Shaft, interpretado por Richard Roundtree (veja abaixo).
Superfly (1972)
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 Superfly narra a história de Youngblood Priest, um traficante de drogas que quer largar o ramo e mudar de vida. A trilha sonora, feita por Curtis Mayfield, se tornou mais famosa que o filme, que segundo Augusto, “tem a coragem de trazer um herói politicamente incorreto, um sujeito em crise, uma formiguinha cansada de trabalhar nessa máquina”. Uma curiosidade: A canção “Freddie’s Dead”, da trilha do filme, foi sampleada por KL Jay na faixa “Mano na porta do bar”, dos Racionais Mcs.
Cleopatra Jones (1973)
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Cleopatra é uma agente anti-tráfico de drogas. Após queimar um campo de papoula, – numa cena cheia de grandiloquência e estilo – seu maior inimigo jura acabar com ela. Para Heitor, além de trabalhar com o feminino, este filme é “significativo na questão do orgulho negro, de ser negro, do pegar o que te faz negro e transformar isso em algo positivo”.
Ganja and Hess (1973)
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Um arqueólogo (Hess) é mordido por um vampiro e se apaixona por sua assistente (Ganja). O filme inspirou “Da Sweet Blood of Jesus”, dirigido por Spike Lee, e apresentado em Cannes no ano passado. O tema do vampirismo foi considerado pelo crítico Scott Foundas como uma metáfora da “assimilação negra, imperialismo cultural branco e da hipocrisia das religiões organizadas”.
“É o melhor filme, em termos de cinema, já feito em blaxpoitation. É uma subversão dos filmes de vampiro, ao mesmo em que é um filme reflexivo sobre um autor negro, que pensa as demandas que ele tem que atender, os desejos dele como autor, os desejos da comunidade negra e as pressões e condições de produção dentro do cinema americano”, arremata Heitor Augusto.
The Mack (1973)
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O filme de maior renda do gênero, protagonizado por Richard Pryor. Entendido por seu diretor, Michael Campus, como um comentário social e não um blaxpoitation, ele retrata a história de um cafetão. “O herói é um cafetão, mas é um cafetão reflexivo. Apesar de, nas aparências, fazer uma espécie de glamourização desse universo e de sua ascensão social, é também bastante crítico nas entrelinhas ao mostrar que esse processo é frágil, muito frágil”, aponta Augusto.
Black Caesar (1973)
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O filme conta a história de Tommy Gibbs, um jovem negro que é espancado por um policial branco quando criança e, ao se tornar adulto, vira o chefão da máfia local. Para Heitor Augusto, o filme merece destaque por “samplear uma mitologia branca de cinema, acessando códigos tradicionais do filme de gangstêr branco, especificamente o Scarface, de 1933, no qual os negros não participavam. Há uma apropriação disso em um ambiente altamente negro”, conclui.
Foxy Brown (1974)
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Estrelando a diva Pam Grier, que depois viria a aparecer em Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino, o filme conta a história de uma mulher que, após ter seu namorado assassinado, se infiltra no mundo da prostituição para libertar mulheres negras de uma vida de torpor e escravidão, e conseguir vingança pessoal. “Tal qual Cleopatra Jones, a protagonista é uma mulher forte e independente, segura e também consciente do poder que sua negritude traz”, analisa Heitor.
Space in the place (1974)
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Sun Ra, o renomado músico de jazz, aterrissa em outro planeta onde está livre das perseguições do homem branco e resolve fazer lá, junto com sua orquestra, uma nova civilização. O meio de transporte para essa mundo? A música. “O filme reverbera por ter no centro do seu enredo a questão do afrofuturismo, que é uma corrente de pensamento fundamental para se entender a experiência negra da diáspora. E que ainda reverbera na cultura negra de hoje: basta ouvir com atenção a obra de Janelle Monaè”, analisa Heitor.
A estética do afrofuturismo, da qual Sun Ra foi um dos criadores e expoentes, junto com o Parliament de George Clinton, imagina a exploração espacial protagonizada por negros, fazendo metáforas da ascensão – presente no cancioneiro negro desde a escravidão – e da experiência, de estranhamento e deslocação da diáspora, da abdução de sua terra-mãe, a África. A capacidade de imaginar artisticamente outras realidades, não como fuga, mas como possibilidade, está presente na música do jazzista e encontra sua solução visual nesse filme.
Mandingo (1975)
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O tema deste filme apareceu recentemente no Django Livre, de Quentin Tarantino. Ele conta a história de negros que eram treinados por um senhor de escravos para lutarem entre si, numa espécie de luta livre sangrenta. “É um filme audacioso por trabalhar com esterótipos, arquétipos e fetiches de outra maneira”, afirma o crítico.
Observação: os filmes aqui indicados são de temática adulta.

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