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Negros nas universidades: além de cotas, precisamos também de escolta?
Por Joice Berth – do Justificando, via Geledes
Na última semana, um coletivo de alunos negros e que vem realizando diversas intervenções pró cotas raciais na maior universidade da América Latina, entrou em cena novamente. Dessa vez, para responder agressões racistas feitas por alunos em pichações nos banheiros da universidade, campus da USP de Ribeirão Preto.
De cunho bastante agressivo e sempre em tom de ameaças, as pichações são recorrentes e generalizadas em todas as universidades onde há cotistas e se observa um expressivo aumento de alunos negros e/ou não brancos.
Imagine você, caro leitor, enfrentando uma situação de hostilidade e rejeição escancarada, cotidianamente, em um ambiente que deixa explícito de todas as maneiras que sua presença não é bem-vinda. O mundo racista sempre fez questão de deixar claro que deseja às pessoas negras o pior lugar que a sociedade pode ter.
Assim também é quando sincretizamos a questão com as classes sociais. Mas ainda assim, pessoas negras continuam em desvantagem, pois representamos o maior contingente entre as classes C e D. Mas há quem afirme que o problema do Brasil é de classe, ignorando completamente que a raça informa classe social e vice-versa.
Imagine você tendo o fardo de protagonizar uma guinada histórica nas estatísticas, que sempre denunciaram a situação abismal de qualidade de vida entre pessoas brancas e não brancas. Imagine ter a pressão de reverter o passado histórico de exclusão e falta de oportunidades através desse ingresso na universidade. É conviver com as cobranças da própria população negra, porque afinal os poucos serão exemplos de que é possível reescrever a história dos negros através dessa possibilidade que as cotas abrem.
Se o Brasil não fosse um país racista, como tenta de todas as maneiras dizer para si mesmo, cotas não seriam motivo de discussão. Seria fato consumado. Mas a segunda nação mais negra do mundo deve mesmo sentir vergonha da maneira covarde com que trata os seus filhos.
Não é possível que as pessoas brancas acreditem que não tem nada a ver com todo o processo escravagista que se deu por aqui. Pois quando se fala em imigrantes, eles facilmente reconhecem a ancestralidade da origem de seus bens materiais e tratam de esquecer de toda a política de favorecimento pela qual esses estrangeiros formam submetidos.
Não é possível que pensam que com os escravizados foi da mesma maneira. Isso seria mais que alienação, seria debilidade intelectual. É apenas oportuno que não se lembrem, pois de outro modo não poderiam refutar o “vocês nos devem até a alma”, verdade citada no discurso das alunas e que teria chocado a todos os inocentes(?) que ali estavam. Todos reclamam, se sentem pessoalmente ofendidos por essa afirmação e instantaneamente chamam pessoas negras de “vitimista”. Inversão de valores? Não, cinismo mesmo. Pessoas negras não são vitimistas; pessoas brancas é que são, porque choram por medo de perder privilégios mais que consolidados. Tanto que não querem nem ao menos, repartir.

A questão é, esse mérito próprio que gostam de alardear com pompa, circunstância e cinismo, já que existe, não seria motivo o bastante para deixar nossos alunos uspianos sossegados e garantir uma atitude generosa por parte deles, pois afinal, eles supostamente têm o dom de manterem seus privilégios sozinhos. Nesse caso, fica no ar a dúvida: por que tanta oposição para garantir um direito básico às populações “naturalmente” inferiores (segundo informações forjadas pela população branca)? Ou será que esse conceito da naturalidade de nossa inferioridade é usado apenas quando convém a branquitude elitizada? No fundo, eles temeriam que descobríssemos uma capacidade sistematicamente negligenciada em benefício da supremacia branca?
