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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

PROJETO SABÃO ECOLÓGICO/RN É VENCEDOR DA ETAPA ESTADUAL DO PRÊMIO ANU 2012





PROJETO SABÃO ECOLÓGICO/RN É VENCEDOR DA ETAPA ESTADUAL DO PRÊMIO ANU 2012
O Prêmio Anu tem como intuito premiar ações voltadas a pessoas carentes, realizadas em favelas e comunidades de todo o país. No dia 31 de dezembro foi divulgado os vencedores estaduais, sendo o Projeto Sabão Ecológico, desenvolvido pela ONG CEPAS (Centro de Promoção à Assistência Social), o ganhador do troféu Anu de Ouro do RN.
O Projeto Sabão Ecológico existe desde 2009 e consiste na fabricação de sabão a partir de óleo usado. Atua no combate à pobreza, através da geração de renda para mulheres em situação de exclusão social, uma vez que os lucros são destinados às participantes; e na preservação ambiental, evitando que o resíduo oleoso seja descartado de forma inadequada. A comunidade Alto da Torre, escolhida para a realização do projeto, é uma comunidade com um dos maiores índices de desemprego, analfabetismo e criminalidade de Natal.
O projeto está concorrendo agora ao prêmio nacional (troféu ANU Preto), cuja votação iniciou-se no dia 05 de janeiro de 2012 e vai até 28 de fevereiro. Esperamos contar mais uma vez com o apoio de todos!
 Votações através do site www.premioanu.com.br

Mau preparo de professor atrapalha ensino de literatura afro



Educadores afirmam que há boas obras e materiais didáticos disponíveis, mas docentes ainda não sabem como trabalhá-los em sala

Uma menina negra, com vasta cabeleira, tenta entender por que seu cabelo não para quieto. Ela encontra um livro sobre países africanos e passa a compreender a relação entre seus cachos e a África. A história é contada no livro “Cabelo de Lelê”, de Valéria Belém, e segundo a pedagoga e pesquisadora Lucilene Costa e Silva, um dos bons exemplos de literatura afro-brasileira infantil. “Nas séries iniciais, as crianças estão construindo a identidade. Ter acesso a obras que mostrem personagens como elas é fundamental”, avalia.

Lucilene dá aula há 20 anos na rede pública de ensino do Distrito Federal e conta que sentia falta da imagem negra nos livros de literatura infantil. “Cheguei a contar a história ‘Chapeuzinho Vermelho’ usando uma boneca negra com capuz vermelho. Hoje sei que isso não é mais necessário. A África tem histórias, personagens e enredos lindíssimos.”

Atendendo à lei 10.639, que determina o ensino de cultura afro-brasileira nas escolas, o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias municipais e estaduais de ensino têm cada vez mais distribuído obras e vídeos protagonizados por personagens negras ou que abordam a diversidade étnico-racial. “É visível o aumento na quantidade de material didático e para-didático disponível sobre o tema após a implantação da lei”, afirma Luciano Braga, professor de Artes há 15 anos das redes municipal e estadual de São Paulo e co-autor, junto com Elizabeth Melo, do livro “História da África e afro-brasileira – em busca das nossas origens”, lançado em 13 de maio de 2010.

Foto: Thinkstock
Educadores afirmam que a literatura infantil sobre diversidade étnica ajuda a combater a discriminação racial


O professor conta que obras com contos e lendas africanas são uma novidade recente nas duas escolas onde dá aulas. “Estamos recebendo livros nos quais o herói é uma criança negra ou onde há personagens brancos e negros. A questão não é valorizar uma cultura ou outra e sim fazer com que a criança se sinta pertencente ao meio. É assim que combatemos a discriminação”, ressalta. Da mesma forma que contos de fada e histórias europeias são narrados em sala de aula, histórias e lendas africanas e indígenas devem ser apresentadas, defende o professor.

No livro infantil “Betina”, de Nilma Lino Gomes, uma avó trança os cabelos da neta e conversa sobre seus ancestrais. “Na África as tranças têm diferentes significados e o cabelo é muito importante para a mulher. Está ligado à identidade”, explica Lucilene. Quando a professora terminar de contar a história de Betina, uma menina de rosto redondo, olhos negros e cabelo todo trançado, os alunos ficam encantados. “Todas as crianças, negras e brancas, querem ser a Betina”, conta.

Formação de professores

Lucilene desenvolve pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) sobre a presença da literatura afro-brasileira no Programa Nacional Biblioteca da Escola do MEC, que distribui obras de literatura, pesquisa e referência para as escolas públicas brasileiras. Apesar de o ministério não ter um levantamento específico das obras que abordam essa temática, a pesquisadora afirma que os livros estão presentes no catálogo oferecido. “É um avanço, mas em muitas escolas do DF as obras chegam e ficam encaixotadas, porque os professores não sabem como trabalhá-las”, afirma.

Em São Paulo, Braga promove palestras e oficinas sobre diversidade étnica e encontra o mesmo problema: materiais didáticos deixados de lado porque os professores não sabem como usá-los.

A coordenadora da área de diversidade do MEC – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) –, Leonor Franco, reconhece que o principal entrave para a aplicação da lei é a formação dos professores. “O nó da questão é a qualificação, a formação de professores e gestores. Não basta capacitar só os professores, tem que sensibilizar todos os funcionários da escola, os diretores, o secretário de educação. Não adianta colocar livro na escola se o professor não souber o que fazer com aquilo”, afirma.

Segundo Leonor, grande parte do problema está no ensino superior. A temática e o conteúdo da diversidade étnico-racial não estão nos cursos de licenciatura: “Nossa formação continuada é quase uma formação inicial”, critica. Outro desafio é a ampliação de parcerias para oferecer cursos de capacitação. Atualmente os editais do MEC são voltados apenas para instituições de ensino superior federais e estaduais. “Temos secretarias de ensino que têm condições de promover capacitação. O resultado é que a gente tem tido dinheiro (na Secad), mas poucos projetos bons para formação de professores.”

Salloma Salomão, músico e doutor em História Social pela PUC-SP, atua na formação de docentes pela rede de educadores Aruanda Mundi. Nos últimos cinco anos, cerca de 3 mil professores de mais de cinco estados diferentes foram capacitados. “Faltam investimentos das secretarias em projetos formativos sistemáticos e de longa duração”, aponta. Segundo Salomão, os cursos oferecidos pela Aruanda têm duração mínima de 120 horas, mas o ideal seria 360 horas e dois anos de duração.

 O historiador destaca a importância do uso das tecnologias na capacitação dos docentes. Por meio de plataformas da internet, Salomão promove a interação de professores brasileiros com africanos, principalmente de países de língua portuguesa. “Falar de África não significa tirar o sapato e pisar na terra. Há inúmeras possibilidades com o uso da tecnologia. Precisava de um mapa étnico-linguístico da África e um pesquisador da universidade de Coimbra nos forneceu o material. É um processo de aprendizagem com o que há de mais contemporâneo.”
 

Veja a lista de obras de literatura afrobrasileira para crianças indicadas pela professora e pesquisadora Lucilene Costa e Silva:

A serpente de Olumo – Ieda de Oliveira – Ed Cortez Editora


ABC do continente africano –Rogério A. Barbosa – Ed. SM


Anansi, o velho sábio – Um conto Axanti recontado por Kaleki – Ed Companhia das Letrinhas


Ao sul da África – Laurence Questin – Catherine Reisser – Companhia das Letrinhas


Betina – Nilma Lino Gomes – Mazza Edições


Brinque- Book conta fabulas – Bob Hortman e Susie Poule


O Cabelo de Lelê – Valéria Belém – Ibep Nacional


Chuva de Manga – James Rumford – Ed brinque Book


O dia em que Ananse espalhou a sabedoria pelo mundo – Eraldo Miranda – Editora Elementar


Doce princesa Negra- Solange Cianni- Ed-L.G.E


Era uma vez na África – Jean Angelles – Ed. LGE


Euzebia Zanza – Camila Fillinger – Ed Girafinha


O funil Encantado - Jonas Ribeiro - Ed Dimensão


Gente que mora dentro da gente-Jonas Ribeiro-Ed Dimensão


Histórias da Preta – Heloisa Pires Lima –Ed. Companhia das Letrinhas


Ifá, o advinho; Xango, o Trovão; Oxumarê, o Arco-iris – Raginaldo Prandi – Ed. Companhia das Letrinhas


Krokô e Galinhola – Um conto africano por Mate – Ed brinque Book


O livro da paz-Todd Parr- Ed Panda-Book


Lendas Africanas. E a força dos tambores cruzou o mar - Denise Carreira - Ed. salesiana


O mapa – Marilda Castanha – Ed. Dimensão


Meia dura de sangue seco – Lourenço Cazarré – Ed. LGE


Na minha escola todo mundo é igual - Rossana Ramos e Priscila Sanson - Ed Cortez


Nina África – Lenice Gomes, Arlene Holanda e Clayson Gomes – Ed. elementar


A noite e o Maracatu – Fabiano dos Santos – Ed Edições Demócrito Rocha


Orelhas de Mariposa - Luiza Aguilar e Andre Neves-Ed Callis


O presente de Ossanha – Joel Rufino dos Santos- Ed. Global


Por que somos de cores diferentes? – Carmem Gil- Ed girafinha


Que mundo maravilhoso – Julius Lester e Joe Cepeda – Ed Brinque Book
Sergio Capparelli – Ed. Global


Tem gente com fome – Solano Trindade Ed. Nova Alaxandria


Os tesouros de Monifa – Sonia Rosa – Ed Brinque-Book


Todas as crianças da terra – Sidónio Muralha –Ed Global


Uma menina e as diferenças – Maria de Lourdes Stamato de Camilis-Ed Biruta


Viver diferente – Lilian Gorgozinho – Ed L.G. E Editora

DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS SEDH....

Ipea lançou hoje (20/11), no Dia da Consciência Negra, o livro "Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas 120 anos após a abolição".

terça-feira, 25 de novembro de 2008....



Faça aqui o download gratuito da mais nova publicação do instituto

Ipea lançou hoje (20/11), no Dia da Consciência Negra, o livro "Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas 120 anos após a abolição".

O livro apresenta um conjunto de estudos enfocando diversos aspectos da questão racial no Brasil e traz número atualizados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e uma série histórica desde 1890.
Cap 1. Inicia com um enfoque histórico que analisa a formação do mercado de trabalho brasileiro à luz do passado escravista e da transição para o trabalho livre.


Cap 2. Sobre a discriminação racial e a ideologia do branqueamento que ganham força, sobretudo a partir da abolição.


Cap 3. Trata do tema racial tendo em vista as diferentes abordagens do estudo da questão da mobilidade social, proporcionando um rico quadro da trajetória dos estudos sobre o assunto.


Cap 4 e 5. Tratam dos dados mais recentes sobre as desigualdades raciais, extraídos da Pnad: um sobre os aspectos demográficos outro sobre os diferencias de renda.


Cap 6. Analisa as políticas públicas de combate à desigualdade racial no Brasil seus limites e abrangência.


Cap 7. São apresentadas algumas conclusões com base no que foi discutido nos capítulos anteriores.
Autores:

MÁRIO THEODORO (organizador)
A formação do mercado de trabalho e a questão racial no Brasil.

LUCIANA JACCOUD
O combate ao racismo e à desigualdade racial: o desafio das políticas públicas de promoção da igualdade racial.

RAFAEL OSÓRIO
Desigualdade racial e mobilidade social no Brasil: um balanço das teorias.
SERGEI SOARES
As desigualdades raciais no Brasil - a trajetória a partir dos dados da Pnad.
Fonte: Ìrohìn

Artigo Políticas de afirmação do negro no Brasil Carlos Vogt

Artigo
Políticas de afirmação do negro no Brasil
Carlos Vogt

De um modo geral, os estudos e as atitudes intelectuais e políticas voltados positivamente à questão do negro no Brasil só se desenvolvem, efetivamente, no século XX, embora tenha havido, no século XIX, toda uma literatura abolicionista, de Castro Alves a Joaquim Nabuco que, no entanto, tratou o negro como um problema homogeneizado pela escravidão, enquanto mácula. É verdade que Nina Rodrigues, apontado como pioneiro dos estudos africanos no Brasil, vinha trabalhando sobre o tema desde o final do século XIX e que já em 1900 havia publicado no Jornal do Comércio o que viria a ser depois capítulo do livro póstumo Os africanos no Brasil, de 1933. Dois outros capítulos desse livro foram também publicados antes da morte do autor em Paris, em 1906: "As sublevações de negros no Brasil anteriores ao século XIX. Palmares", no Diário da Bahia e "Sobrevivências totêmicas: festas populares e folclore", novamente no Jornal do Comércio.
A advertência que Silvio Romero fizera no mesmo ano da Abolição da Escravatura, em 1888, sobre a urgência de se voltarem os estudos no Brasil para a questão do negro aparece como epígrafe no livro de Nina Rodrigues:
[...] temos a África em nossas cozinhas, como a América em nossas selvas, e a Europa em nossos salões [...] Apressem-se os especialistas, visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão morrendo..."
A adoção da advertência de Silvio Romero por Nina Rodrigues, como epígrafe, resume bem as contradições de atitudes em relação ao negro que marcaram a obra do médico e intelectual maranhense na Bahia: Defensor dos valores culturais dos africanos no Brasil e dos seus direitos à liberdade de suas práticas religiosas, mesmo contra as autoridades policiais que as perseguiam, Nina Rodrigues irmanava-se também com Silvio Romero na visão "científica" da inferioridade racial do negro:
"O critério científico da inferioridade da Raça Negra nada tem de comum com a revoltante exploração que dele fizeram os interesses escravistas dos norte-americanos. Para a ciência não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou secções (...) A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo (...)."
II
Em 1941, M. Herskovits, autor, na mesma década e na seguinte, de vários trabalhos sobre a cultura afro-brasileira, publica o livro The myth of the negro past. Nele, logo no início declara a intenção de, realizando pesquisas sobre a cultura de origem africana no EUA, contribuir para "melhorar a situação inter-racial" nesse país.
Constrói, assim, livro para ajudar a compreender a história do negro, história até então ignorada, por zelo e por descuido, contrapondo-se a cinco "mitos" então vigentes. Primeiro, que os negros, como crianças, reagem pacificamente a "situações sociais não satisfatórias"; segundo, que apenas os africanos mais fracos foram capturados, tendo os mais inteligentes fugido com êxito; terceiro, como os escravos provinham de todas as regiões da África, falavam diversas línguas, vinham de culturas bastante variadas e tendo sido dispersos por todo o país, não conseguiram estabelecer um "denominador cultural" comum; quarto, que, embora negros da mesma origem tribal conseguissem, às vezes, manter-se juntos nos EUA, não conseguiam manter a sua cultura porque esta era patentemente inferior à dos seus senhores; quinto, que "o negro é assim um homem sem um passado".
Ao escrever o prefácio da 2ª edição de seu livro, em 1958, Herskovits reconheceria que muitas coisas haviam mudado, desde a primeira edição, em 1941 e que o número de negros que rejeitavam seu passado estava diminuindo paulatinamente, o mesmo acontecendo com as atitudes dos brancos em relação aos pontos de vista anteriores, para, então, arrematar:
"E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."
A oposição entre o otimismo culturalista de Herskovits e o pessimismo cientifista de Nina Rodrigues explica-se, entre outras coisas, pela própria mudança dos paradigmas teóricos no tratamento dos africanismos na América e pelo descrédito científico em que acabara caindo a frenologia lombrosiana e que tanto marcava a postura intelectual de Nina Rodrigues e de tantos outros no Brasil, inclusive Euclides da Cunha em Os sertões.
Mas, como se viu, o racismo cientificista de Nina Rodrigues não era a única vertente analítica de seus estudos sobre o tema. A simpatia pela cultura dos povos africanos para cá trazidos como escravos, os processos de suas adequações, transformações e influências pela interação com os outros elementos constitutivos dessa nova realidade - o branco europeu e o indígena americano, em particular, como lembrava, veemente e dramático, Silvio Romero - , essa simpatia, pois, resultando em atitudes intelectuais positivas em relação ao negro, foi o que sobreviveu ao modismo positivista do médico Nina Rodrigues, fazendo do etnólogo, que nele também convivia, a influência mais importante para o desenvolvimento dos estudos do negro no Brasil no início do século XX.
Nessa linha, muitos foram os seus seguidores ou, ao menos, seus admiradores nas décadas seguintes, caso, em particular, de Artur Ramos e de Edison Carneiro, mesmo quando se contrapunham em diferenças teóricas e metodológicas, ou quando se alinhavam nas disputas regionais, Gilberto Freyre puxando, é claro, para Pernambuco, pela primazia do autêntico das manifestações culturais africanas no Brasil.
E o que acontece, por exemplo, na avaliação que Edison Carneiro faz no artigo "O Congresso Afro-Brasileiro da Bahia", descrito em 1940, no qual ao tecer elogios a esse encontro realizado em 1937, o contrapõe, ao mesmo tempo, ao Congresso do Recife, de 1934, pelo critério da maior ou menor pureza das apresentações dos ritos e cerimônias apresentados, num e noutro caso, aos congressistas:
"Esta ligação imediata como o povo negro, que foi a glória maior do Congresso da Bahia, deu ao certame um colorido único", como já previra Gilberto Freyre. Artur Ramos, em carta que me escreveu sobre a entrevista ao Diário de Pernambuco, dizia:
"O material daí que [Gilberto Freyre] julga apenas pitoresco constituirá justamente a parte de maior interesse científico. O Congresso do Recife, levando os babalorixás, com sua música, para o palco do Santa Isabel, pôs em xeque a pureza dos ritos africanos. O Congresso da Bahia não caiu nesse erro. Todas as ocasiões em que os congressistas tomaram contato com as coisas do negro foi no seu próprio meio de origem, nos candomblés, nas rodas de samba e de capoeira."
III
Edison Carneiro, no artigo "Nina Rodrigues", escrito em 1956 reconhece, apesar das críticas, os méritos do autor de Africanos no Brasil, em especial, o de ter proposto um método comparativo para o estudo dos comportamentos do negro no Brasil e na África. Edison Carneiro e Artur Ramos são herdeiros desse método, o que é explicitamente reconhecido pelo primeiro quando escreve no mesmo artigo acima citado:
"Línguas, religiões e folclore eram elementos dessa comparação a que a história dava a perspectiva final. Deste modo ganhou o negro a sua verdadeira importância em face da sociedade brasileira."
Compare-se, agora, o que vai dito nesse último período da citação de Edison Carneiro com a observação de Herskovits, transcrita mais atrás ("E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."), e ter-se-á uma medida objetiva de quanto os propósitos político-intelectuais desses autores eram coincidentes, levando-se em conta, é claro, as diferenças entre a sociedade americana e a sociedade brasileira.
Mas, num caso e noutro, tratava-se de reencontrar a história do negro pela via da valorização de sua cultura, na África e no país de destino, comparando-a nas duas situações, fazendo-o, dessa vez chegar aos EUA ou no Brasil, onde quer que fosse, pela porta da dignidade e da distinção que o passaporte dos ritos, das línguas, da complexidade cultural de suas origens lhe conferia.
É a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Por volta de 1950 encerra-se, segundo Edison Carneiro essa fase e tem início a chamada fase sociológica desses estudos, conforme se pode ler no seu artigo programático "Os estudos brasileiros do negro", de 1953:
"Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do indígena, sabemos que estes, por sua vez, transformaram toda a vida material e espiritual do negro, que hoje representa apenas 11% da população (1950), utiliza a língua portuguesa e na prática esquecem as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos problemas nacionais como um brasileiro de quatro costados. Tudo isso significa que devemos analisar o particular sem perder de vista o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha constatação científica de que a modificação na parte implica em modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa em modificações em suas partes."
Estava encerrada a fase afro-brasileira dos estudos do negro no Brasil e firmava-se, particularmente, com os trabalhos de Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, na chamada Escola Sociológica de São Paulo, uma nova tendência desses estudos agora voltados para a análise da estrutura de classes no país e, nela, para a história particular do negro, primeiro como escravo, depois como trabalhador livre marcado pelo estigma do preconceito de cor.
Como escrevemos no livro Cafundó - A África no Brasil, que publicamos em co-autoria com Peter Fry e com a colaboração de Robert Slenes, ao romantismo da fase teórica substitui-se um realismo de inspiração sociológica, de fundo social e de aspiração socialista.
Resumindo, o movimento desses estudos poderia ser caracterizado, em um primeiro passo, por sua ênfase cientificista ou médico-legalista, embora já com as sementes do culturalismo que dominaria o panorama da segunda fase, havendo em um terceiro momento, a predominância de uma visão sociológica da questão, como acabamos de dizer.
IV
Essas três fases dos estudos do negro no Brasil contribuem também, de certa forma, para a compreensão das diferentes fases por que passou o movimento negro no século XX, do ponto de vista de suas lutas, de suas reivindicações, de suas bandeiras e das explicações científicas, culturais e sociológicas que fundamentam as ênfases de suas ações políticas.
Assim, nos anos 1920, as próprias organizações negras refletiam a visão de que o principal problema da população negra no Brasil estava nela mesma, dadas as condições precárias de sua educação formal, a fraqueza das organizações em si mesmas e a conseqüente falta de habilidade para concorrer às disputas no mercado de trabalho, tudo isso acrescido, é claro, do "preconceito de cor" que dificultava e obstruía a integração social e discriminava o negro, pela cor, na sociedade.
A democracia racial, como ideal político e social programático, concomitante à redemocratização do país em 1945, coincidente também com o fim da Segunda Guerra Mundial e com a vitória dos países aliados sobre o nazi-fascismo, propicia o desenvolvimento de ações no campo educacional, cultural e mesmo psicanalítico, como é o caso do Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro, que, através de diferentes organizações, visam à reforçar, quando não despertar, o sentimento de orgulho e de distinção por ser negro, desse modo, contribuir para capacitá-lo a enfrentar o seu pior inimigo na sociedade, o preconceito racial, agente também perturbador do progresso integrado do país na comunhão das raças, dos credos, das diferenças.
Vê-se por aí o quanto esse movimento reflete características próprias da segunda fase dos estudos do negro no país, e o quanto os seus objetivos lembram os propósitos enunciados por Herskovits, no EUA e por Artur Ramos ou Edison Carneiro, entre nós.
A transformação da democracia social de ideário político em mito e em ideologia e, portanto, em expediente de ilusionismo social vai se dar, de maneira consistente, a partir dos anos 1970 e, talvez, um dos fatos mais importantes dessa nova tendência e postura seja a fundação em 1978, em São Paulo, do Movimento Negro Unificado.
Não será difícil identificar nesse momento aspectos coincidentes com os que se encontram na linha sociológica dos estudos do negro e caracterizam, de um modo geral, a terceira fase desses trabalhos, porquanto a grande responsável pela situação de exclusão do negro está na verdade, na estrutura de dominação da sociedade pelo establishement branco, consolidado no governo e difundido na sociedade civil. Passa-se, pois, da democracia racial, integradora e geradora de plenos direitos para a denúncia de uma dominação real assentada sobre a base de um racismo difuso e poderoso.
V
O que se segue, até hoje, na história dos estudos e dos movimentos negros no Brasil, tem, grosso modo, a ver com as características acima apontadas para as diferentes fases de sua evolução e transformação nos campos teórico e prático das ações que lhes são próprias.
Em 1988, no ano do centenário da Abolição da Escravatura, foi promulgada a nova Constituição da República Federativa do Brasil. Nela, em decorrência da lutas pelos direitos civis dos negros, ficou consagrado, no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, Capítulo I - Dos direitos e deveres individuais e coletivos -, Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Artigo XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
A regulamentação desse parágrafo veio em seguida pela Lei nº 7716, de 5 de janeiro de 1989, modificada pela Lei 008882 de 3 de junho de 1994 e novamente modificada em 13 de maio de 1997, pela Lei nº 9459, que acrescentou também ao Artigo 140 do Código Penal relativo ao crime de injúria por utilização de "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem", estabelecendo pena de "reclusão de um a três anos e multa".
O passo seguinte seria o das ações afirmativas, cujo modelo podia ser buscado nos EUA dos anos 1960, e, mais recentemente, no governo de Nelson Mandela, na África do Sul.
Aqui, sim, numa quarta fase, opera-se uma mudança importante no paradigma clássico dos estudos e dos movimentos negros no Brasil, embora ela própria seja decorrente também das grandes transformações que na economia, na política, e na cultura o mundo contemporâneo passa a conhecer, sobretudo a partir de 1989, com a queda do muro de Berlim e a consolidação do fenômeno da globalização em todos os setores da vida social. Deixa-se de lado o ideal do Brasil mestiço para proceder às ações pelo reconhecimento étnico-racial dos negros.
Leia-se, nesse sentido, o que escreve Antonio Sérgio Alfredo Guimarães no artigo "Acesso de negros às universidades públicas", de 2002:
"Nos primeiros tempos, de 1995 até bem recentemente, a reação da sociedade civil, representada pelos seus intelectuais e meios de comunicação de massa, foi largamente contrária à adoção de políticas de cunho racialista. O movimento negro, assim como os poucos intelectuais brancos que defendiam tais políticas, viram-se politicamente isolados, por mais de uma vez sob a acusação de vocalizar e deixar-se colonizar culturalmente pelos valores norte-americanos. De fato, nada mais contrário à identidade nacional brasileira, tal como foi formada historicamente - como identidade autocolonial, culturalmente híbrida e racialmente mestiça -, que o reconhecimento étnico-racial dos negros. Assim, os que por ventura tinham sólidos interesses na manutenção das desigualdades encontraram aliados cujos motivos eram puramente ideológicos, pessoas que viam nas políticas dirigidas preferencialmente aos negros a penetração no Brasil do 'multiculturalismo' e do 'multirracionalismo' de extração anglo-saxônica".
VI
Do ponto de vista das ações afirmativas, o país caminhou bastante nesses últimos anos no que diz respeito aos cenários mais positivos para a mobilidade social, o desenvolvimento pessoal, a formação profissional e as chances de concorrência e competição do homem e da mulher negra no mercado de trabalho.
Mas há ainda, muito o que avançar e muitas resistências a serem quebradas entre os intelectuais e a sociedade civil se se considerar, por exemplo, os dados de 2001 da pesquisa direta do programa "A cor da Bahia/UFBA" e do I Censo Étnico Racial da USP e IBGE, também apresentados no artigo acima referido.
Segundo esses dados, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o número de alunos brancos é de 76,8%, o de negros 20,3% para uma população negra no estado de 44, 63%; na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, os negros, 8,6%, para uma população negra no estado de 20,27%; na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), brancos são 47%, negros 42,8% e a população negra no estado, 73,36%; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% são brancos, 42,6% negros e 74,95% a população negra do estado; na Universidade de Brasília (UnB), são brancos 63,74%, são negros 32,3%, tendo o Distrito Federal uma população negra de 47,98%; na Universidade de São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os negros, 8,3% e o percentual da população negra no estado é de 27,4%.
Vê-se, assim, que o déficit produzido por essas diferenças é bastante desfavorável ao negro nos estados onde se encontram essas universidades: 24,33% na UFRJ, 11,67% na UFPR, 30,56% na UFMA, 32,35% na UFBA, 15,68% na UnB e 19,1% na USP.
Como disse, há, contudo, avanços, sobretudo por parte do governo quanto à adoção de ações afirmativas relativamente à população negra do país, entre elas o abandono oficial da doutrina da "democracia racial" desde a Conferência Mundial Contra a Discriminação Racial, realizada em Durban, na África do Sul, acompanhada de instituição de cotas de emprego em vários ministérios e serviços, além da criação de programas voltados para os direitos humanos, para a formação profissional e para o reconhecimento do direito à titulação de propriedade de terras remanescentes de quilombos, entre outros.
VII
Machado de Assis, em seus romances e em suas crônicas traz várias situações em que se representam as relações sociais entre brancos senhores e negros escravos, ou libertos, que dão fina medida da qualidade e do peso dos problemas que essa sociedade escravocrata legaria para as gerações futuras do Brasil. O Brasil de consciência infeliz, melodramaticamente, penalizado, mas incapaz, na prática, de superar efetivamente as distâncias sociais geradas pela proximidade emocional e tutelar do patriarcalismo familiar que marcou e ainda marca boa parte da cultura de nossas relações individuais e institucionais.
Assim, em Helena, de 1876, cuja protagonista principal, de mesmo nome, recebe, como filha natural, uma herança do Conselheiro Vale, seu pai, com a condição de ir viver na casa onde vivem seus outros dois filhos, Úrsula e Estácio, lê-se no capítulo IV:
"Pouco havia ganho no espírito de D. Úrsula; mas a repulsa desta já não era tão viva como nos primeiros dias. Estácio cedeu de todo, e era fácil; seu coração tendia para ela, mais que nenhum outro. Não cedeu, porém, sem alguma hesitação e dúvida. A flexibilidade do espírito da irmã afigurou-se-lhe a princípio mais calculada que espontânea. Mas foi impressão que passou. Dos próprios escravos não obteve Helena desde logo a simpatia e boa vontade; esses pautavam os sentimentos pelos de D. Úrsula. Servos de uma família, viam com desafeto e ciúme a parenta nova, ali trazida por um ato de generosidade. Mas também a estes venceu o tempo. Um só de tantos pareceu vê-la desde o princípio com olhos amigos; era um rapaz de 16 anos, chamado Vicente, cria da casa e particularmente estimado do conselheiro. Talvez esta última circunstância o ligou desde logo à filha do seu senhor. Despida de interesse, porque a esperança da liberdade, se a podia haver era precária e remota, a afeição de Vicente não era menos viva e sincera; faltando-lhe os gozos próprios do afeto, - a familiaridade e o contacto, - condenado a viver da contemplação e da memória, a não beijar sequer a mão que o abençoava, limitado e distanciado pelos costumes, pelo respeito e pelos instintos, Vicente foi, não obstante, um fiel servidor de Helena, seu advogado convicto nos julgamentos da senzala."
Em Iaiá Garcia, de 1878, logo no Capítulo I, o escravo liberto Raimundo nos é apresentado como fazendo parte da família do viúvo Luís Garcia, integrado afetivamente nas relações com a sinhá moça Lina, a Iaiá Garcia do título do romance, e atuando, nas palavras do narrador "como um espírito externo de seu senhor; pensava por este e refletia-lhe o pensamento interior, em todas as suas ações, não menos silenciosas que pontuais."
Luís Garcia, por temperamento e escolha era calado, sério, reflexivo e ponderado; Raimundo, por caráter, era bom e dedicado e, por condições, servil e prestativo, tendo como que interiorizado o seu papel numa relação de mando sem necessidade de que o outro, senhor, vivesse a enunciá-la no dia-a-dia de sua convivência:
"Luís Garcia não dava ordem nenhuma; tinha tudo à hora e no lugar competente. Raimundo, posto fosse o único servidor da casa, sobrava-lhe tempo, à tarde, para conversar com o antigo senhor, no jardinete, enquanto a noite vinha caindo."
Já em Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1880, a visão de além túmulo que tem de si mesmo o narrador é mais crua e mais direta quando contemplada à luz de seus relacionamentos, ainda criança, com os escravos da casa, de um modo geral, e com o moleque Prudêncio, em particular:
"Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, - algumas vezes gemendo, - mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um -"ai, nhonhô!" - ao que eu retorquia: - "Cala a boca, besta!""
Em Dom Casmurro, de 1899, o narrador-personagem Bentinho numa das visitas do amigo Escobar à sua casa em Mata-Cavalos, o mesmo amigo suspeito da traição histórica, que nunca se desvendou, com a meiga e prática Capitu, mostra-se de corpo inteiro com a roupagem da autoridade indiferente ou da indiferença autoritária que também constituiu o rol de predicados das relações entre senhores e escravos no Brasil do século XIX. Além disso, mostra, na mesma cena, a propósito do binômio roça/cidade, tema da conversação entre os dois, a ideologia de fundo que subjaz à oposição trabalho/riqueza, em que um é visto como coisa de negros e escravos e o outro de brancos senhores.
Quer dizer, o trabalho é vergonha e o ócio é nobreza, embora o desfrute do segundo não seja possível, para os brancos, sem a rude e triste aspereza das condições em que se faz o primeiro.
"[...] E não contávamos voltar à roça? - Não, agora não voltamos mais. Olhe, aquele preto que ali vai passando, é de lá. Tomás! - Nhonhô! Estávamos na horta da minha casa, e o preto andava em serviço; chegou-se a nós e esperou. - É casado, disse eu para Escobar. Maria onde está? - Está socando milho, sim, senhor. - Você ainda se lembra da roça, Tomás? - Alembra, sim, senhor. - Bem, vá-se embora. Mostrei outro, mais outro, e ainda outro, este Pedro, aquele José, aquele outro Damião... - Todas as letras do alfabeto, interrompeu Escobar. Com efeito, eram diferentes letras, e só então reparei nisto; apontei ainda outros escravos, alguns com os mesmos nomes, distinguindo-se por um apelido, ou da pessoa, como João Fulo, Maria Gorda, ou de nação como Pedro Benguela, Antônio Moçambique... - E estão todos aqui em casa? perguntou ele. - Não, alguns andam ganhando na rua, outros estão alugados. Não era possível ter todos em casa. Nem são todos os da roça; a maior parte ficou lá."
No livro de crônicas Bons dias, duas delas, ambas de 1888, uma do dia 19 de maio e outra do dia 26 de junho, registraram, com a fina ironia que é própria do autor e com o cinismo oportunista característico de muitos de seus personagens, duas situações reveladoras do ethos dos senhores no day after do ato legal da abolição.
Na primeira, do dia 19 de maio, seis depois da promulgação pela princesa Isabel da Lei Áurea, o cronista nela representado, apresenta-se como um profeta post factum e vangloria-se, para efeito de suas aspirações políticas, de ter-se antecipado ao 13 de maio alforriando "um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos mais ou menos."
De maneira sinceramente hipócrita relata ainda, explicando seu gesto pela causa final de seus interesses pessoais e estes, pelas razões eficientes da classe social a que pertence:
"O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu."
Na outra, a do dia 26 de junho transcorridos mais de um mês da abolição, o nosso cronista fictício arquiteta agora maneiras de tirar proveito econômico e não apenas político da nova situação.
Como um Tchitchikof dos trópicos trata de comprar, tal qual no romance de Gogol, Almas mortas, no caso, escravos libertos, com documentos datados de antes do 13 de maio e, assim, poder "vendê-los" ao poder público para recuperação das "perdas" sofridas com a abolição.
"Suponha o leitor que possuía duzentos escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a lei de 13 de maio. Chegava eu ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe: - Os seus libertos ficaram todos? - Metade só; ficaram cem. Os outros cem dispersaram-se; consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua. - Quer o senhor vender-mos? Espanto do leitor; eu, explicando: - Vender-mos todos, tanto os que ficaram, como os que fugiram. O leitor assombrado: - Mas, senhor, que interesse pode ter o senhor... - Não lhe importe isso. Vende-mos? - Libertos não se vendem. - É verdade, mas a escritura de venda terá a data de 29 de abril; nesse caso, não foi o senhor que perdeu os escravos, fui eu. Os preços marcados na escritura serão os da tabela da lei de 1885; mas eu realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um."
VIII
Machado de Assis, que o crítico americano Harold Bloom considera o "maior literato negro surgido até o presente" deixou-nos um legado artístico ímpar no Brasil e na literatura universal de todos os tempos. Por ele pudemos conhecer melhor a sociedade imperial brasileira e com ele, entrarmos no átrio dos conflitos da sociedade republicana que se anunciava, sem historicismo, sem sociologismo, sem programatismo panfletário. Falando de homens e mulheres de seu tempo na provinciana capital federal, o Rio de Janeiro que os navios estrangeiros procuravam evitar com medo das contaminações epidêmicas da região, o autor fixou, como nenhum outro, em imagens de poética sobriedade, não apenas as cores locais de quadros sociais inesquecíveis, mas também as finas incertezas e ásperas decisões da alma humana, suas silenciosas perversidades, seus levianos conflitos morais, a profundeza das dores reparáveis, a exlusividade substituível dos amores, a densidade dos vazios feita de presenças impositivas e de imposições de ausências plenas, a religiosidade desconfiada de um narrador que desconfia, como num meta-Eclesiastes de seu ceticismo e de sua própria desconfiança.
Não há em Machado de Assis a tentação do fácil nem tampouco a tipificação do difícil. Por isso, falando de seu tempo e de seu espaço local como não poderia deixar de fazer, fala-nos de uma atemporalidade, contudo histórica, do homem prisioneiro de sua eterna finitude. É como pensar Shakespeare e não ser levado à sociedade elizabetana, contexto necessário do texto que se lê ou da peça a que se assiste. Impossível fazê-lo, como impossível é também não desgarrar-se, pela leitura, das circunstâncias históricas e que dão vida às suas personagens e mergulhar na universalidade cômica e trágica de seus dramas, de nossos conflitos.
O legado literáro de Machado de Assis também é assim. Põe-nos na sala senhorial da casa do Engenho Novo e atira-nos, casmurros, à frustração anunciada da impossibilidade ontológica de nos reencontrarmos conosco mesmo, no tempo, em Mata Cavalos, ou vice-versa.
Com o legado estético, o legado ético. E é parte dele, com a mesma discreta perspicácia, o registro de situações de puro exercício de dominação senhorial de brancos em relação aos negros, ou de debochada esperteza negocial dos que se habituram a procurar tirar vantagem em tudo, como acontece nas duas crônicas aqui referidas.
É uma situação historicamente datada. Não deixa, contudo, de remeter-nos, pela própria historicidade, que lhe dá concretude, à força explicativa do paradigma social que apresenta.
É contra a permanência desse modelo de relações sociais constituído na tradição patriarcal branca da sociedade brasileira que se fez o esforço intelectual e político, caracterizado nas diferentes fases de sua evolução e transformação, tal como as apresentamos, para com ele romper e para definitivamente superá-lo.
As ações afirmativas do movimento negro e as políticas públicas de sua afirmação no Brasil são uma etapa contemporânea desse longo processo histórico. A preservação do patrimônio afro-brasileiro também!

QUANDO OS DEUSES SE MATERIALIZAM TOMBAMENTO DOS TERREIROS...


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Reportagem
Quando os deuses se materializam
Já são seis os terreiros de candomblé tombados pelo Iphan em 21 anos. Neles, a arquitetura e o material guardam uma profunda relação com as práticas e os rituais. Cada terreiro representa um pouco da história da cultura afro-descendente brasileira
Carolina Cantarino
Foto: Carolina Cantarino
31 de maio de 1984. Salvador. Reunião do Conselho Consultivo da então Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan, que daria origem ao Iphan). O pedido de tombamento do terreiro da Casa Branca é apresentado pelo antropólogo Gilberto Velho, conselheiro há apenas um ano. A discussão é tensa, o tombamento de um terreiro de candomblé é um assunto novo dentro do Conselho. E polêmico. Três conselheiros votam a favor do tombamento, um vota contra, dois se abstêm e um pede o adiamento da votação. Cabe ao então secretário de cultura do Ministério da Educação - já que o Ministério da Cultura ainda nem havia sido criado - Marcos Vinícios Vilaça, o voto de minerva. O tombamento é aprovado.

19 de abril de 2005. Salvador. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, homologa a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de tombar o terreiro do Alaketu, no bairro de Matatu, em Salvador. O tombamento já havia sido aprovado pelo Conselho do Iphan por unanimidade. Presente na solenidade, a ialorixá Olga de Alaketu entoa um cântico em iorubá. Agora a Bahia possui cinco terreiros de candomblé tombados e reconhecidos como patrimônio histórico nacional: Casa Branca, Ilê Axé Opô Afonjá, Gantois, Bate-Folha e o Alaketu.

Os 21 anos que separam o tombamento do terreiro da Casa Branca do terreiro do Alaketu revelam mudanças importantes no que diz respeito à política de preservação no Brasil. Dentre elas, talvez a principal seja a ampliação da noção de patrimônio cultural, a partir da qual os monumentos e manifestações culturais afro-descendentes passaram a ganhar reconhecimento enquanto referências culturais importantes para todos os brasileiros.

“Mãe Olga acredita que o Alaketu durará para sempre. A idéia de eternidade está muito presente nesse tombamento”, lembra a cientista social Teresinha Bernardo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela fala sobre a mãe-de-santo de 79 anos que, durante a solenidade de tombamento, também anunciou o nome de sua sucessora na chefia do terreiro. O tombamento, para a Mãe Olga, não significou apenas a possibilidade reformar sua casa e lhe conferir uma proteção legal mas também a chance de garantir, assim, a preservação da memória e da identidade afro-descendente inscrita no chão do terreiro.

O polêmico tombamento da Casa Branca

O tombamento do primeiro terreiro, em 1984, foi um momento especial. De maneira geral, o período de 1970 a 1980 é importante na trajetória das políticas de preservação do Brasil porque marca a retomada do antigo projeto de Mário de Andrade de valorização das culturas populares. Embora já estivesse em curso uma ampliação do conceito de patrimônio – até então ainda muito restrito aos monumentos e edificações de pedra e cal, ligados principalmente ao passado colonial -, alternativas jurídicas ao instrumento do tombamento ainda não eram discutidas.

Segundo Ordep Serra, antropólogo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), tudo começou com o chamado Projeto Mamnba (Mapeamento de Sítios e Monumentos Religiosos Negros da Bahia) coordenado por ele e seu irmão, o antropólogo Olympio Serra. A partir de um convênio entre a antiga Fundação Nacional Pró-Memória e a Prefeitura Municipal de Salvador, o levantamento foi realizado entre os anos de 1982 e 1987, contabilizando-se, ao final, cerca de duas mil sedes de cultos afro-brasileiros somente na cidade de Salvador.

Esse trabalho fez com que a equipe do Mamnba conhecesse a gravidade da situação do terreiro da Casa Branca. Mesmo estando instalado há mais de 100 anos na mesma região, a posse legal do terreno até 1984, ano do seu tombamento, era de um grande proprietário de terras soteropolitano. Oriundo do primeiro terreiro brasileiro, localizado no antigo bairro da Barroquinha, no Centro Histórico de Salvador, ele foi deslocado para a região da atual avenida Vasco da Gama em meados do século XIX, devido às perseguições policiais que sofria na época. Foi então que o Ilê Axé Iyá Nassô Oká se tornou conhecido como Casa Branca.

Com a valorização imobiliária da região de Vasco da Gama, na década de 1980, lotes ao redor da principal construção do terreiro começaram a ser vendidos, diminuindo drasticamente a área verde. O proprietário do terreno queria, a qualquer custo, compelir a comunidade da Casa Branca a abandonar a área, chegando a permitir a construção de um posto de gasolina bem em frente ao terreiro, na hoje chamada Praça de Oxum, onde se localiza um santuário em homenagem à deusa da beleza e da águas doces, composto por uma embarcação e uma imagem. Depois do tombamento e de uma grande mobilização popular a área do posto de gasolina foi, finalmente, desapropriada, e o entorno do terreiro retomado e preservado.

“Tendo em vista a gravidade da situação a utilização do instituto do usucapião foi cogitada mas, como o arrendamento havia sido pago recentemente pela comunidade do terreiro havia, portanto, o reconhecimento da propriedade. A solução que se mostrou mais plausível, na época, foi o tombamento do terreiro”, lembra Ordep Serra. Mas o antropólogo lembra que não se tratava apenas de resolver o problema da especulação imobiliária que ameaçava a continuidade do terreiro. Além dessa questão mais pragmática havia também uma intenção conceitual envolvendo o tombamento da Casa Branca: o reconhecimento de um patrimônio cultural do povo negro.

Os técnicos da Sphan acreditavam que o terreiro não cumpria as exigências para o tombamento, já que os rituais ali praticados poderiam determinar alterações no espaço físico do local, principalmente na área verde. Se alterações fossem permitidas, seria aberto um precedente para outras situações tais como as modificações de fachadas de prédios e casarões.

Ordep Serra avalia que não se tratava apenas de uma questão técnica mas também política. Na avaliação que o antropólogo faz sobre a posição dos técnicos da Sphan, com os quais esteve em várias reuniões, a proposta para o terreiro da Casa Branca seria, na visão deles, uma espécie de aviltamento ou degradação do instrumento do tombamento. “Um dos argumentos da resistência era o de que todos os pais e mães-de-santo de Salvador iriam requerer o tombamento dos seus terreiros. Mas nós não estávamos tratando de qualquer terreiro, mas do mais antigo do Brasil, matriz de centenas de casas de culto do país e sobre o qual havíamos elaborado um dossiê com longo levantamento histórico, antropológico e arquitetônico” lembra Serra. Essa resistência ao tombamento acabou sendo vencida a duras penas: “o tombamento desse terreiro foi revolucionário em vários sentidos. Pela primeira vez houve uma ruptura da barreira eurocêntrica e elitista de só se considerar patrimônio monumentos dotados de uma estética e um tipo de arquitetura particular. Pela primeira vez um bem importante para a história e memória do povo negro foi reconhecido pelo Estado”, afirma o antropólogo.

A arquitetura dos terreiros

Além de um inventário sobre as origens e os antecedentes históricos, o levantamento arquitetônico é um requisito técnico importante para o tombamento. Foi a arquitetura própria dos terreiros um dos elementos que mais alimentou a polêmica em torno do tombamento da Casa Branca.

O terreiro de candomblé é formado por áreas de uso religioso e habitacional, seguindo o modelo das residências das antigas famílias iorubás, chamadas de compounds. A estrutura, de modo geral, é formada por uma casa principal na qual reside a mãe ou o pai-de-santo. Nela, também se localiza o barracão ou templo principal e alguns santuários individuais; uma área externa contendo os assentamentos de alguns orixás e casas menores, moradia de outros integrantes do culto; e uma área verde (chamada de roça) com muitas plantas, árvores, fontes ou nascentes e muita terra batida...

Todos os elementos naturais presentes no entorno do terreiro tendem a ser considerados sagrados, com importantes funções rituais. O obi (Cola acuminata), por exemplo, é uma árvore de origem africana cujas sementes são utilizadas nos rituais de iniciação – os boris – nas consultas ao oráculo – o jogo de búzios - e também para fins medicinais.

A localização das casas, do barracão, a mata, enfim, toda a disposição arquitetônica do terreiro está intimamente relacionada aos rituais que são ali praticados. Existe, portanto, uma estreita relação entre a materialidade do terreiro e os investimentos simbólicos que lhes dão significados. Essa imbricação entre o valor da arquitetura e o sentido religioso que ela apresenta faz com que os terreiros de candomblé expressem, de forma radical, a impossibilidade de se separar os aspectos materiais daqueles imateriais que caracterizam todo e qualquer patrimônio.

Existem também outras contribuições que o terreiro como patrimônio presente na paisagem da cidade, pode oferecer. O Manso Banduquenqué, conhecido como terreiro do Bate Folha, é um dos exemplos de resistência à degradação ambiental das cidades e de preservação do uso ritual e medicinal da flora. Esse uso caracteriza, em especial, os candomblés de tradição banto, nos quais as divindades cultuadas são os inquices.

“Se o modelo de implantação urbana que estava na cabeça dos negros tivesse prevalecido a cidade de Salvador seria muito mais bonita, com mais qualidade de vida. Esse modelo prevê a conservação de espaço verde e pontos de reunião para a sociabilidade das pessoas. Hoje se fala muito em meio ambiente e defesa do patrimônio ecológico. Essa preocupação política é recente nas camadas dominantes. Quem primeiro teve esse cuidado foi o povo dos terreiros. Só isso já seria importante para se fazer reconhecer o mérito desse pessoal”, lembra Ordep Serra ao falar sobre uma das conseqüências da sacralização da natureza promovida pelo candomblé.

Preservação e desaparecimento

Quando apresentou o seu parecer favorável ao tombamento da Casa Branca, em 1984, o antropólogo Gilberto Velho alertou para o fato de que os terreiros, enquanto territórios de uma manifestação religiosa, possuem um dinamismo próprio, que prevê inclusive mudanças que não podem ser impedidas pelo Estado por conta do tombamento: “a proteção do Estado deve ser uma garantia para a continuidade da expressão cultural que tem em Casa Branca um espaço sagrado. Esta sacralidade, no entanto, não é sinônimo de imutabilidade pois serão as interpretações do próprio grupo que devem nortear o apoio do Estado”, afirmou Gilberto Velho.

O antropólogo fez, assim, um alerta: seria necessário evitar os possíveis efeitos paralisantes e cristalizadores que o tombamento poderia provocar sobre patrimônios culturais como os terreiros de candomblé. Sua advertência se baseou no fato de que a mudança faz parte da própria dinâmica cultural e, sendo assim, a continuidade e a preservação de manifestações culturais em terreiros e casas de culto afro-brasileiras dependeriam da sua contínua reinvenção e transformação. Aqueles espaços que resistem às mudanças são os mais ameaçados de desaparecer.

Esse é o caso da Casa das Minas, de São Luís do Maranhão. Ela é a única casa de culto afro-brasileiro fora da cidade de Salvador que está inscrita no Livro do Tombo Histórico e no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Tombada em 2002, a Querebentam de Zomadônu - conhecida como Casa das Minas - também é singular por ser proveniente dos povos fons, também chamados jejes, originários do antigo Reino do Daomé (atual Benin). Sua história despertou a atenção de Pierre Verger (http://www.pierreverger.org/br/index.htm), fotógrafo e etnógrafo francês que, juntamente com Roger Bastide, Edison Carneiro e Vivaldo da Costa Lima são importantes referências nos estudos sobre religiões afro-brasileiras. Os registros realizados por esses intelectuais, aliás, têm sido muitas vezes utilizados como fonte de informações sobre a religião pelos próprios adeptos.

Diferente dos principais e mais antigos terreiros baianos, a partir dos quais milhares de outros terreiros foram fundados pelo país afora e criando-se uma rede entre casas que descendem umas das outras, a Casa das Minas do Maranhão não possui nenhuma filial, embora tenha influenciado o modelo do tambor de mina – uma religião equivalente ao candomblé no estado do Maranhão e no Amazonas. Em nome da tradição, as chamadas vodunsi – as mulheres que são as autoridades máximas da casa – mantêm uma série de regras e costumes tais como impedir o ingresso na casa de mulheres que tenham freqüentado outros terreiros, o que é considerado inaceitável.

As vodunsi também vêm resistindo ao registro de algumas práticas rituais, como o de seus cânticos jeje. A justificativa dada por elas é a que se tratam de segredos rituais que poderiam ser copiados por outras casas de culto. Os cânticos são feitos em jeje, que era falado no Daomé antigo, uma língua arcaica que atualmente nem é mais corrente na sua própria região de origem, o Benin. As vodunsi mantêm a tradição da transmissão oral dos seus conhecimentos, prática que há muito tempo foi revista no interior do candomblé.

“Para o atual adepto, a memória africana, de alguma forma preservada, continua sendo a fonte importante de muitos segredos guardados; porém, quanto mais os mecanismos de aprendizagem oral e de transmissão da memória coletiva se perdem e deixam de ter sentido, mais importante se torna para o candomblé a palavra escrita. Desenrola-se, assim, uma trajetória que faz parte do processo de transformação do candomblé de religião étnica de transmissão oral em religião universal”. Essa é a avaliação de Reginaldo Prandi, sociólogo da Universidade de São Paulo que, em seu livro mais recente, intitulado Segredos Guardados – Orixás na Alma Brasileira (Companhia das Letras, 2005), analisa as mudanças de concepção, de práticas e valores do candomblé ao longo dos anos para mostrar que a constante reinvenção da herança africana por ele promovida seria a principal responsável pela sua continuidade e preservação.

Contraposta a essa universalização do candomblé como religião, a Casa das Minas ainda se mantém como uma casa de culto baseada em laços de parentesco entre seus membros, o que tende a comprometer a sua continuidade tendo-se em vista o desinteresse crescente das gerações mais novas pela religião. “A Casa das Minas conserva algumas características de grupo étnico. E talvez por isso mesmo esteja fadada ao desaparecimento”, lamenta Sérgio Figueiredo Ferretti, antropólogo da Universidade Federal do Maranhão que há mais de vinte anos pesquisa essa casa de culto. Segundo ele, “preservar a música, os cânticos em jeje arcaico seria muito interessante, mas as vodunsi não permitem que se faça uma gravação. O grupo também está bastante reduzido e muitas festas têm sido canceladas. Há várias histórias do passado de avós, com seus filhos e netos que dançaram ou tocaram juntos na casa. Mas esse envolvimento da família como um todo, de gerações diferentes, é cada vez mais raro por conta do desinteresse dos mais jovens”, afirma Ferretti. ---
Veja também trecho de parecer de tombamento de terreiro.

AS BAIANAS DO ACARAJE PATRIMONIO AFRO BRASILEIRO DIZ IPHAN


Reportagem
As baianas do acarajé
Mais do que uma comida rápida de rua, o acarajé é indissociável da cultura do candomblé e da história dos africanos no Brasil. Quitute é elemento central de um complexo cultural
Carolina Cantarino
Foto: Carolina Cantarino
O ofício das baianas do acarajé foi declarado patrimônio cultural do Brasil no início deste ano. Quando anunciado, equívocos em torno do “tombamento do acarajé” e outros mal-entendidos esconderam a valorização de uma profissão feminina historicamente presente no país: as baianas de tabuleiro. O orgulho por esse reconhecimento podia ser visto nos rostos das mulheres negras de novas e antigas gerações presentes durante a cerimônia de diplomação de seu ofício, que aconteceu no último dia 15 de agosto, na sede do Iphan de Salvador. Durante o evento, as baianas de acarajé usaram suas roupas tradicionais cuja peça mais característica é a grande saia rodada, complementada por outros adereços como os chamados panos da costa, o torso na cabeça, a bata e os colares com as cores dos seus orixás pessoais. Nas ruas de Salvador, de outras cidades do estado da Bahia e, mais raramente, em outras regiões do país, as baianas tradicionais encontram-se sempre acompanhadas por seus tabuleiros que contêm não só o acarajé e seus possíveis complementos, como o vatapá e o camarão seco, mas também outras “comidas de santo”: abará, lelê, queijada, passarinha, bolo de estudante, cocada branca e preta. Os tabuleiros de muitas baianas soteropolitanas se sofisticaram: revestidos por paredes de vidro, muitas vezes contêm caras panelas de alumínio junto às colheres de pau.
O acarajé, o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé. Acarajé é uma palavra composta da língua iorubá: “acará” (bola de fogo) e “jé” (comer), ou seja, “comer bola de fogo”. Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas, Oxum e Iansã. O bolinho se tornou, assim, uma oferenda a esses orixás.
Mesmo ao ser vendido num contexto profano, o acarajé ainda é considerado, pelas baianas, como uma comida sagrada. Para elas, o bolinho de feijão fradinho frito no azeite de dendê não pode ser dissociado do candomblé. Por isso, a sua receita, embora não seja secreta, não pode ser modificada e deve ser preparada apenas pelos filhos-de-santo.
“Pode parecer que estamos dando importância maior ao acarajé do que ao ofício das baianas do acarajé, mas este fato tem um sentido: neste complexo cultural, o acarajé é o elemento central. O ofício não teria a importância que tem se o acarajé fosse apenas um dos alimentos tradicionais”, afirma Roque Laraia, antropólogo da Universidade de Brasília e membro do Conselho Consultivo do Iphan, em seu parecer sobre a proposta de registro do ofício das baianas do acarajé. O inventário que instruiu o processo de registro foi realizado pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
Raul Lody e Elizabeth de Castro Mendonça foram os antropólogos que realizaram a pesquisa que consistiu na realização de entrevistas; levantamento bibliográfico; registros audiovisuais e, dentre outras coisas, visita a pontos característicos de baianas do acarajé na cidade de Salvador tais como Bonfim, Pelourinho, Barra, Ondina, Rio Vermelho e Piatã. Brotas também foi um dos bairros visitados devido à presença de um “baiano de tabuleiro”, evangélico.
As baianas sofrem, cada vez mais, com a concorrência da venda do acarajé no comércio de bares, supermercados e restaurantes baseados, inclusive, no marketing do bolinho de acarajé como fast food. Essa apropriação do acarajé contraria o seu universo cultural original e a sua venda como “bolinho de Jesus” pelos adeptos de religiões evangélicas – que postam Bíblias em seus tabuleiros - tem causado polêmica.
“Se você tem uma religião que é contrária ao candomblé, por que vender acarajé e não qualquer outro quitute?” indaga Dona Dica diante do seu tabuleiro no Largo Quincas Berro D’Água, no Pelourinho, ressaltando que o acarajé, para a maioria das baianas de tabuleiro, filhas-de-santo, é indissociável do candomblé. Essa indistinção não deixa de ser, também, uma estratégia de diferenciação de seus produtos, num contexto de concorrência cada mais acirrada que é Salvador, uma cidade que atrai muitos turistas por ser considerada como o locus de africanismos no Brasil, a partir dos quais uma inegável comercialização da cultura negra tem se constituído.
Mas se para essas baianas as mudanças em relação ao aspecto religioso são inaceitáveis, outras transformações são bem vindas. “No passado era muito ruim porque a gente tinha que descascar o feijão e quebrá-lo na pedra. Hoje em dia não se tem esse sofrimento porque as meninas usam o moinho elétrico ou mesmo o liqüidificador”. Essa é a opinião de Arlinda Pinto Nery, que trabalhou com seu tabuleiro durante mais de 50 anos e aprendeu o ofício com sua mãe.
Dona Arlinda faz parte da Associação das Baianas de Acarajé e Mingau do Estado da Bahia que existe há 14 anos e conta com dois mil associados dentre baianas e baianos do acarajé e vendedores de outros tipos de comida como mingau, pamonha e cuscuz. O trabalho da associação é voltado para a profissionalização da atividade, que já conta com um selo de qualidade: através de parcerias com o Sebrae e o Senac, os associados têm acesso a cursos sobre manipulação de alimentos, normas de higiene e sobre finanças, para que possam administrar melhor os seus ganhos.
As mulheres de tabuleiro de ontem e de hoje
A comercialização do acarajé tem início ainda no período da escravidão com as chamadas escravas de ganho que trabalhavam, nas ruas, para as suas senhoras (geralmente pequenas proprietárias empobrecidas), desempenhando diversas atividades, dentre elas, a venda de quitutes nos seus tabuleiros. Ainda na costa ocidental da África as mulheres já praticavam um comércio ambulante de produtos comestíveis, o que lhes conferia autonomia em relação aos homens e muitas vezes o papel de provedoras de suas famílias.
O comércio de rua nas cidades brasileiras permitiu às mulheres escravas ir além da prestação de serviços aos seus senhores: elas garantiam, muitas vezes, o sustento de suas próprias famílias, foram importantes para a constituição de laços comunitários entre os escravos urbanos e também para a criação das irmandades religiosas e do candomblé: muitas filhas-de-santo começaram a vender acarajé para poder cumprir com suas obrigações religiosas que precisavam ser renovadas periodicamente.
Devido a essa liberdade de movimento é que as escravas de tabuleiro eram vistas como elementos perigosos, tornando-se, por isso, alvos de posturas e leis repressivas.
A venda do acarajé permaneceu como uma atividade econômica relevante para muitas mulheres mesmo com o fim da escravidão. Hoje, atrás das baianas existem famílias inteiras dependendo dos seus tabuleiros: 70% das mulheres pertencentes à Associação das Baianas de Acarajé e Mingau do Estado da Bahia são chefes de família. A rotina dessas mulheres é caracterizada pela compra dos ingredientes necessários para o preparo do acarajé, um trabalho diário e árduo: precisam levantar cedo, ir à feira, buscar produtos de qualidade a preços acessíveis. O preço do camarão e do azeite de dendê são os que mais variam. Muitas ainda enfrentam problemas para adquirir tabuleiros novos ou mesmo para guardá-los, deixando-os, muitas vezes, na praia.
“Às vezes nos sentimos órfãs porque trabalhamos sozinhas com nosso tabuleiro, de sol a sol, expostas ao frio, ao calor e mesmo à violência. Mas somos mulheres negras e perseverantes: se não vendemos hoje, venderemos amanhã. Somos um símbolo de resistência desde a escravidão”, lembra Maria Lêda Marques, presidente da Associação que, juntamente com o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá e o Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia, fizeram o pedido de registro junto ao Iphan.
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Veja também trecho de parecer de Registro do Ofício das Baianas do Acarajé.

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