A democracia custa caro. A conhecida sentença, sempre pinçada para explicar o elevado e crescente custo das instituições democráticas, nunca foi tão procedente quando neste ciclo eleitoral que vivenciamos. Os custos do espetáculo democrático, que entrou na fase da programação eleitoral na mídia, baterão um recorde, ultrapassando limites de gastos de campanhas anteriores, fato que se ampara na decisão dos comitês partidários de nivelar por cima as planilhas financeiras como artifício para estreitar os subterrâneos do chamado caixa dois. Pelas contas do Tribunal Superior Eleitoral, os gastos de 194 candidatos a prefeito nas 26 capitais chegarão a R$ 1,26 bilhão. Ao lado da expansão dos cofres eleitorais, vale destacar a forte participação de figurantes na disputa para a representação legislativa. O número de candidatos a vereador registra um aumento de 87 mil a mais que em 2008, chegando aos 435,8 mil. Em função de mudança constitucional, em 2009, o Congresso ampliou o número de cadeiras nos Legislativos municipais, devendo ser eleitos, este ano, 5.405 vereadores a mais, o que explica em parte o incremento de candidaturas. A motivação para ingresso na política, convenhamos, é um fenômeno que deve ser comemorado. Afinal, o melhor oxigênio para renovar os pulmões da política é aquele que entra pelos poros dos legislativos municipais, no entendimento de que a democracia representativa assenta neles sua base. Mas o desejo cívico de representar parcelas da população explica, por si só, o aumento do número de candidatos a vereador?
A resposta implica, inicialmente, saber o que faz um vereador. Sob sua responsabilidade, abrigam-se as tarefas de fazer leis em defesa da comunidade, acompanhar e fiscalizar os atos e decisões do Poder Executivo municipal. Tal atividade exige pleno conhecimento das demandas comunitárias e monitoramento dos atos do prefeito. A realidade tem feito do vereador um despachante da população ou, no caso das grandes cidades, dos moradores de bairros e regiões. É ele que ajuda o eleitorado a ter acesso aos serviços públicos. Ressalte-se o caráter de servir à polis, ideal cívico que Aristóteles identificava nos cidadãos. A primeira imagem da política é, portanto, aquela simbolizada pela praça central de Atenas, a Ágora, onde os senadores da antiguidade reuniam-se com o povo para ouvir demandas e clamores. Os desvios no caminho da política ocorreram e se multiplicaram ao longo da história das Nações, no embate entre valores da vida pública e conveniências da vida privada. A imbricação de interesses de uns e outros acabou por afastar o DNA da política do berço original e a semear o vírus da corrupção na teia construída pelos Estados.
De missão a política virou profissão. Os políticos se tornaram profissionais. Foi assim que a representação popular passou a ser um negócio vantajoso. A democracia como o governo do povo, pelo povo e para o povo, como ensinava Abraham Lincoln, abriu espaço para o aditivo: "e o governo para mim, também". Dando cobertura à nova ordem, armou-se um novo triângulo do poder, constituído pela burocracia estatal (administradores públicos), representação popular (mandatários) e grupos de negócios (empresas e grupos privados). O processo decisório passou a ganhar uma taxa de compartilhamento. A complexidade da vida moderna, as crescentes demandas de comunidades comprimidas nos espaços urbanos, a superposição da coisa privada sobre a res publica, na esteira do definhamento dos mecanismos clássicos da democracia, ajudaram a plasmar o novo território da política. Que, no Brasil, floresce de maneira avassaladora, graças ao fertilizante patrimonialista, abundante entre nós. Sob essas curvas adentramos nos plenários e corredores da representação legislativa municipal. O mandato de vereador passou a ser um negócio. Um negócio que custa, hoje, R$ 10 bilhões anuais ao país. E que custa ao Rio de Janeiro, por exemplo, quase R$ 8 milhões e a Natal, capital do RN, mais de R$ 2,2 milhões por ano. Nessas duas capitais, os salários de vereador batem no teto, ou seja, mais de R$ 15 mil, o máximo permitido pela emenda constitucional que permite ao representante um salário de até 75% do auferido pelos deputados estaduais.
Como se pode aduzir, mais que legislar e fiscalizar em prol da causa coletiva, muitos detentores de mandato começaram a enxergar a política como escada de ascensão pessoal. Pior, agora, é constatar o desfile de caras, bocas, vestes e gestos dos nossos futuros e legítimos representantes nos legislativos. A amostra que vimos em São Paulo (metrópole desenvolvida), na última semana, é de causar arrepios. Imaginem os desfiles canhestros em plagas atrasadas. A dúvida assoma: "como essas pessoas vão nos representar"? Muitos clonam suas aparições na performance de Sua Excelência, o palhaço Tiririca, na crença - até razoável - de que o conteúdo semântico que se pode extrair de duas frases gritadas velozmente será suplantado pela estética de jegues, galos, cachorros, chapéus, paletó vermelho, braços enfaixados, caras mascaradas ou por uma fonética que descamba em estribilho. Pois bem, a esdrúxula coreografia eleitoral dos postulantes à vereança é a mais desabusada demonstração de inutilidade da comunicação eleitoral no país. Perfis sérios, confiáveis, dignos de crédito e mérito, acabam, infelizmente, contaminados e engolidos pela expressão extravagante da imensa maioria dos parceiros. Essa é uma faceta do Custo Brasil do Desperdício. Parcela substantiva dos bilhões que o país carece para reequipar suas estruturas de segurança, saúde e educação é jogada no lixo de uma programação de péssimo gosto.
A resposta implica, inicialmente, saber o que faz um vereador. Sob sua responsabilidade, abrigam-se as tarefas de fazer leis em defesa da comunidade, acompanhar e fiscalizar os atos e decisões do Poder Executivo municipal. Tal atividade exige pleno conhecimento das demandas comunitárias e monitoramento dos atos do prefeito. A realidade tem feito do vereador um despachante da população ou, no caso das grandes cidades, dos moradores de bairros e regiões. É ele que ajuda o eleitorado a ter acesso aos serviços públicos. Ressalte-se o caráter de servir à polis, ideal cívico que Aristóteles identificava nos cidadãos. A primeira imagem da política é, portanto, aquela simbolizada pela praça central de Atenas, a Ágora, onde os senadores da antiguidade reuniam-se com o povo para ouvir demandas e clamores. Os desvios no caminho da política ocorreram e se multiplicaram ao longo da história das Nações, no embate entre valores da vida pública e conveniências da vida privada. A imbricação de interesses de uns e outros acabou por afastar o DNA da política do berço original e a semear o vírus da corrupção na teia construída pelos Estados.
De missão a política virou profissão. Os políticos se tornaram profissionais. Foi assim que a representação popular passou a ser um negócio vantajoso. A democracia como o governo do povo, pelo povo e para o povo, como ensinava Abraham Lincoln, abriu espaço para o aditivo: "e o governo para mim, também". Dando cobertura à nova ordem, armou-se um novo triângulo do poder, constituído pela burocracia estatal (administradores públicos), representação popular (mandatários) e grupos de negócios (empresas e grupos privados). O processo decisório passou a ganhar uma taxa de compartilhamento. A complexidade da vida moderna, as crescentes demandas de comunidades comprimidas nos espaços urbanos, a superposição da coisa privada sobre a res publica, na esteira do definhamento dos mecanismos clássicos da democracia, ajudaram a plasmar o novo território da política. Que, no Brasil, floresce de maneira avassaladora, graças ao fertilizante patrimonialista, abundante entre nós. Sob essas curvas adentramos nos plenários e corredores da representação legislativa municipal. O mandato de vereador passou a ser um negócio. Um negócio que custa, hoje, R$ 10 bilhões anuais ao país. E que custa ao Rio de Janeiro, por exemplo, quase R$ 8 milhões e a Natal, capital do RN, mais de R$ 2,2 milhões por ano. Nessas duas capitais, os salários de vereador batem no teto, ou seja, mais de R$ 15 mil, o máximo permitido pela emenda constitucional que permite ao representante um salário de até 75% do auferido pelos deputados estaduais.
Como se pode aduzir, mais que legislar e fiscalizar em prol da causa coletiva, muitos detentores de mandato começaram a enxergar a política como escada de ascensão pessoal. Pior, agora, é constatar o desfile de caras, bocas, vestes e gestos dos nossos futuros e legítimos representantes nos legislativos. A amostra que vimos em São Paulo (metrópole desenvolvida), na última semana, é de causar arrepios. Imaginem os desfiles canhestros em plagas atrasadas. A dúvida assoma: "como essas pessoas vão nos representar"? Muitos clonam suas aparições na performance de Sua Excelência, o palhaço Tiririca, na crença - até razoável - de que o conteúdo semântico que se pode extrair de duas frases gritadas velozmente será suplantado pela estética de jegues, galos, cachorros, chapéus, paletó vermelho, braços enfaixados, caras mascaradas ou por uma fonética que descamba em estribilho. Pois bem, a esdrúxula coreografia eleitoral dos postulantes à vereança é a mais desabusada demonstração de inutilidade da comunicação eleitoral no país. Perfis sérios, confiáveis, dignos de crédito e mérito, acabam, infelizmente, contaminados e engolidos pela expressão extravagante da imensa maioria dos parceiros. Essa é uma faceta do Custo Brasil do Desperdício. Parcela substantiva dos bilhões que o país carece para reequipar suas estruturas de segurança, saúde e educação é jogada no lixo de uma programação de péssimo gosto.
O Brasil precisa muito da missão dos vereadores. A instituição política que os abriga deve ser respeitada e defendida. Sua força e prestígio dependem, porém, de um lume ético e moral para iluminar suas Câmaras e evitar que os pretendentes ao Poder Legislativo mais se assemelhem a bufões da Corte Eleitoral.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.
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