Carta de Salvador, entregue hoje no Afro XXI, sintetiza propostas da sociedade civil
A criação de um fundo internacional voltado a financiar
ações complementares das políticas públicas de reparação é uma das
principais propostas contidas na Carta de Salvador, documento que
sintetiza os debates realizados pelas entidades da sociedade civil
organizada durante o Afro XXI. O texto foi entregue na noite desta
sexta-feira (18) a Enrique Iglesias, que comanda a Secretaria Geral
Ibero-americana (Segib), entidade que propôs a realização do encontro,
que termina nesse sábado (19) com a reunião de chefes de Estado para
aprovar a Declaração de Salvador.Segundo Epsy Campbell, militante do movimento de mulheres negras da Costa Rica e escolhida a representante do fórum de entidades na reunião dos chefes de Estado, “esse fundo deve garantir uma resposta às necessidades, não para substituir as responsabilidades dos governos, mas para complementá-la e reforçá-la”.
A abertura do encontro da sociedade civil dentro do Afro XXI foi marcada pela afirmação da autonomia dos movimentos sociais e da sociedade civil em relação aos governos. A perspectiva desse encontro entre representantes da sociedade civil ibero-americano, caribenha e africana é constituir propostas que contribuam com a Declaração de Salvador, documento que sairá do encontro de chefes de Estado no último dia do Afro XXI.
À mesa de abertura do encontro sentaram-se,
lado a lado, representantes dos movimentos sociais e de governos. O
primeiro a saudar o encontro foi Gilberto Leal, militante do Movimento
Negro, que destacou a necessidade da união e da competência na
articulação política da sociedade civil para ter força para interferir e
enfrentar blocos políticos muito bem articulados na região.
Juca
Ferreira, representante do Brasil na Secretaria Geral Ibero-Americana,
fez um prognóstico nada animador da possibilidade de recrudescimento do
racismo com as crises atuais que afetam o centro do capitalismo global.
Por outro lado afirmou a maturidade do movimento social de luta por
igualdade. “Esse momento não é apenas de celebração. O objetivo é
interferir no processo democrático e de desenvolvimento econômico”,
disse Ferreira.
O panamenho Humberto
Brown, representante do movimento Diáspora Latina, lembrou a necessidade
de buscar a inteligência ancestral para encontrar saídas e dar
respostas adequadas à conjuntura global na luta contra o racismo. “Será
um dia desafiante, pois são muitas questões e pouco tempo para discutir
toda a pauta”, refletiu ele.
A representante da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Magali
Navys, demonstrou alegria por identificar um crescimento da organização
da luta contra o racismo. “Até hoje foi a sociedade civil que empurrou
os avanços”, declarou ela. Entretanto, ponderou que as forças contrárias
a esses avanços também crescem.
Inclusão -
Representando o governo da Bahia, o secretário Elias Sampaio, da
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, apontou que não há
possibilidade de avanço do Brasil sem a inclusão dos afrodescendentes.
“Eleger governos progressistas é uma condição necessária, mas não
suficiente para construirmos a igualdade racial”, afirmou Sampaio.
Para
finalizar, a representante da Articulação das Organizações das Mulheres
Negras Brasileiras e membro do Conselho Nacional de Promoção da
Igualdade, Vera Baroni, chamou a atenção do público para boatos de que a
Secretaria das Mulheres e a Seppir estariam em risco de extinção.
“Essas instituições cumprem um papel muito importante e precisam ser
potencializados e não extintos”, declarou. E finalizou apontando para a
grandeza da diversidade presente ao encontro e em especial à presença
das mulheres negras.
Políticas afirmativas são o caminho apontado para eliminar as desigualdades
Os jovens afrodescendentes da América Latina e do Caribe
são um dos grupos populacionais que enfrentam as maiores desvantagens,
exclusão e discriminação, segundo o relatório “Juventude afrodescendente
na América Latina: realidades diversas e direitos (des)cumpridos”, que o
Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) lançou em Salvador (Bahia)
nesta sexta-feira (18), em evento paralelo ao Afro XXI - Encontro
Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes.Estima-se que na América Latina, segundo a informação disponível nos nove países pesquisados, vivam ao redor de 24 milhões de jovens afrodescendentes, de um total de 81 milhões de pessoas de ascendência africana. Com mais de 22 milhões, o Brasil é o país que reúne a maior quantidade de jovens afrodescendentes, tanto em termos relativos como absolutos. Vêm a seguir Colômbia, Equador e Panamá, que, juntos, registram cerca de 1,4 milhão de jovens afrodescendentes.
“Um dos desafios em matéria de políticas para afrodescendentes – como sublinhado pelo relatório – é a falta de informação estatística desagregada, sistemática e confiável sobre este grupo de população”, disse Marcela Suazo, diretora para a América Latina e o Caribe do Unfpa. “A disponibilidade desses dados permitiria evidenciar as iniquidades enfrentadas por este grupo populacional e, portanto, contribuir para a formulação de políticas afirmativas para os afrodescendentes”.
Tripla exclusão – A desigualdade que caracteriza a América Latina – a região de maior desigualdade do mundo – se reflete também na juventude afrodescendente, que sofre uma tripla exclusão: étnica/racial (por ser afrodescendente), de classe (por ser pobre) e geracional (por ser jovem). Além disso, as mulheres afrodescendentes sofrem processos de exclusão e discriminação de gênero.
O relatório, fruto de um esforço conjunto do Unfpa e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal/Celade), é o primeiro a apresentar um panorama regional das dinâmicas populacionais das e dos jovens afrodescendentes, tanto em termos demográficos como de distribuição territorial, além de proporcionar informações sobre sua situação em matéria de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, educação e emprego, áreas-chave para sua inserção social e sua participação plena nos processos de desenvolvimento de seus países.
O estudo evidencia as brechas significativas existentes nos países entre os jovens afrodescendentes e os demais jovens. Os dados sugerem a existência de diferenças na implementação dos direitos de saúde reprodutiva entre as jovens afrodescendentes, já que a maternidade em idade precoce é tanto ou mais elevada entre elas do que para as demais jovens. Além disso, a maternidade precoce está sistematicamente associada a menores níveis de educação, ainda mais evidentes neste grupo populacional.
As porcentagens de jovens que não estudam nem trabalham na região são muito altas e, na maioria dos países, os jovens afrodescendentes se encontram entre os mais excluídos destes sistemas. A situação dos afrodescendentes na região tem cobrado maior visibilidade nos últimos anos, graças, por um lado, ao aumento das organizações e articulações afrodescendentes que defendem seus direitos em níveis regional e nacional e, por outro, à criação de instituições governamentais encarregadas dos assuntos concernentes aos povos afrodescendentes em mais de uma dezena de países. Contudo, isso não tem sido suficiente.
O estudo propõe o investimento e o fortalecimento das políticas afirmativas para a juventude afrodescendente em um marco de direitos, como caminho para superar as iniquidades, a discriminação e a exclusão. O Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes é uma realização do governo brasileiro, através da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Governo do Estado da Bahia, através das secretarias de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), de Cultura (Secult), e das Relações Internacionais e da Agenda Bahia (Serinter), associados a Secretaria-Geral Ibero-Americana (Segib).
A parceria para a realização do Encontro inclui também a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid), e a ONU, através de suas agências: Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP).
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