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sábado, 15 de novembro de 2014

FILME “AMISTAD”:
"NOS SOMOS O QUE NOSSOS ANTEPASSADOS NOS DEIXARAM"
O ano era 1839, e o filme baseado na história real de ESCRAVIZADOS africanos traficados pelo navio espanhol La Amistad.
Próximo à costa cubana, Cinqué consegue se libertar das correntes e com a ajuda de outros africanos, ocupam todo o navio e matam a tripulação, deixando apenas dois espanhóis vivos, para que estes os levassem de volta para África. Os espanhóis temendo por suas vidas quando chegassem em terras africanas, mudaram a rota e direcionaram La Amistad para os Estados Unidos da América, onde novamente os escravizados foram aprisionados e tornaram-se também réus em um dos julgamentos mais comoventes sobre a questão da escravidão.
Sem conseguirem se comunicar com os africanos, os americanos iniciariam o julgamento embasando-se na morte da tripulação do navio. Porém, a prisão dos escravizados tornou-se um problema de grandes proporções, envolvendo o tratado dos oceanos entre Estados Unidos e Espanha (1795), onde a coroa espanhola alegava direito de propriedade sobre os escravos, a marinha americana querendo compensar ‘prejuízos’ de combate para justificar a posse do navio e todo seu carregamento, e os dois espanhóis sobreviventes, tentando tirar vantagem da situação, também entraram na luta pela ‘mercadoria’ do navio. Todos alegavam direitos sobre os escravos, além dos muitos movimentos abolicionistas e de direitos humanos que já haviam se formado no país, e que clamavam pela liberdade dos prisioneiros e a reintegração às suas terras de origem. Mas como é possível defender pessoas com as quais não existe um canal de comunicação?
Assim o fez o advogado Roger Baldwin, que apresentou o inventário da carga do navio que provava a origem dos prisioneiros como sendo de Serra Leoa, e adquiridos através do tráfico de escravos. Foi um passo importante mas não garantia liberdade aos prisioneiros, pois uma questão política insurgia e o receio de uma Guerra Civil estimulada pelo desenrolar do julgamento, fez com que o Poder Executivo designasse um novo juiz para dificultar a ação da defesa.
O advogado Baldwin precisava provar mais do que apenas a origem dos réus, mas também contar um pouco da história de vida de cada um, e por obra de uma sorte muito grande encontra um africano letrado em inglês disposto a ajudar. À partir desse momento os relatos de Cinqué mostram todo o caminho percorrido, a crueldade com que foram sequestrados e subjugados, o porão do Amistad e todas as intempéries até chegarem em terras americanas.
Diante da apresentação dos relatos de Cinqué o novo juíz decidiu em prol dos africanos, e assegurou o direito de retorno ao país de origem em um navio custeado pelo governo americano, algo inédito que teve repercussão internacional. Porém com a ameaça de Guerra Civil, a luta ainda não estava ganha, tendo ainda que passar pela Suprema Corte Americana que era constituída em sua maioria por sulistas proprietários de terras e de escravos. Baldwin então faz um apelo e passa a contar com a ajuda do ex-presidente americano John Quincy Adams.
Baseando seu discurso na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América que assegurava igualdade e liberdade entre todos os homens, Adams com êxito, garantiu a liberdade dos réus, reconhecendo que eles haviam se rebelado contra aqueles que os privaram de uma condição natural de liberdade.
Dessa forma os escravizados africanos finalmente conseguiram voltar para a África, porém nem todos, pois alguns foram torturados, mortos e esquartejados no Amistad, como ameaça a quem estivesse disposto a se rebelar. Cinqué por sua vez, mesmo retornando à sua pátria, jamais reencontrou sua família, talvez tenham sido levados em outro momento, talvez após seu sequestro tenham se mudado para longe, talvez nem estivessem mais vivos...
Justificativa
O filme mostra de forma clara o processo de transformação ao qual o mundo esta passando na metade do século XIX com relação à escravidão. Muitos países já haviam abolido a escravatura, o comércio de escravos tornara-se ilegal mas ainda rentável. A proliferação dos movimentos abolicionistas e de direitos humanos não era exclusividade apenas nos Estados Unidos, ou de países que ainda tinham na escravidão sua principal mão de obra. Tratava-se de uma conscientização mundial contra o etnocentrismo e o Racismo Científico que classificava os seres humanos em raças, sendo o negro considerado como inferior em todos os aspectos, e incapaz de organizar suas sociedades de forma civilizada.
O choque cultural e a barreira linguísticas entre africanos e americanos, também ficou evidente, mas o filme vai além e mostra ‘en passant’ os negros escravos de etnias diferentes, e muitas vezes rivais, sendo colocados todos juntos. A África e varios outros paises e povos onde as tribos e povos tinham por costume entrar em combate com outras rivais, sendo a perdedora escravizada pela vencedora, pois para eles propriedade significava trabalho e mão de obra. Portanto, mesmo antes da chegada dos europeus, era comum a escravização entre os próprios africanos. Isso não exime a responsabilidade que os europeus tiveram, pois com o aumento da procura por esse tipo de mão de obra, houve uma catástrofe demográfica onde povos inteiros foram dizimados.
A maior parte do filme se passa dentro dos tribunais, mas ele levanta questões interessantes sobre o processo de escravização, os movimentos abolicionistas e de direitos humanos, a sombra de uma Guerra Civil, a instabilidade das eleições americanas na época, os interesses políticos no entorno do processo, o senso de justiça e liberdade.

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