Áreas livres da capital serão utilizadas para cultivo
De acordo com o Plano Diretor de Natal (PDN), não há zona rural na capital potiguar. Embasado pela lei, é improvável imaginar que em terras natalenses existam espaços dedicados ao cultivo de plantas, hortaliças ou frutas que possam ser consumidas pela população. Mas, na prática, esses espaços existem e alguns deles já são utilizados de forma ainda tímida. Um projeto do Governo do Estado pretende mudar essa realidade. A partir do próximo ano, o mapeamento das áreas com potencial produtivo será realizado. "Não temos noção de quanto espaço livre existe em Natal que possa ser trabalhada na agricultura", afirma Nísia Cordeiro, analista de extensão rural do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater-RN).
João Maria AlvesNa comunidade de Pium, os pequenos agricultores investem no cultivo de produtos orgânicos
A ideia é aumentar a produção de alimentos, principalmente hortaliças, que podem chegar à mesa dos natalenses. Consequentemente, o preço de itens como alface, rúcula, coentro ou cebolinha tende a diminuir. Há um diferencial: os produtos são orgânicos. Outro objetivo é promover a ocupação e dar finalidade a áreas desocupadas e sem utilidade atualmente. Nesse sentido, desde 2003, a Emater-RN desenvolve o Projeto de Agricultura Urbana e Periurbana no Estado. Os resultados, até o momento, tem pouca expressão.
Em Natal, o projeto concentra as atividades no bairro Guarapes, zona Oeste da cidade. Lá, 12 famílias recebem, semanalmente, visitas de técnicos da Emater-RN. "Fazemos visitas técnicas semanais, promovemos cursos e oficinas, além de dinâmicas de aprendizagem para produzir produtos orgânicos", explica Nísia Cordeiro.
O trabalho assemelha-se, em escala menor, ao que é realizado na comunidade conhecida como Gramorezinho, na zona Norte de Natal. No local, existe uma plantação de hortaliças. Atualmente, um projeto firmado em parceria pelo Ministério Público Estadual com a Petrobras, o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado (Sebrae-RN) e a própria Emater-RN promete substituir o cultivo com agrotóxicos por uma agricultura orgânica.
O mapeamento das áreas rurais na capital potiguar pode beneficiar agricultores como o senhor Nelson de Lima, 54 anos. Há um ano, o agricultor se viu obrigado a deixar a cidade para poder continuar plantando. O novo endereço de Nelson é uma fazenda no município de Ceará-Mirim, mais precisamente o distrito de Rio dos Índios. A cidade, aliás, tem várias plantações que atendem, em boa parte, o consumo local. "Morava em Gramorezinho, mas não estava bom lá. Recebi o convite para cuidar dessa terra e topei. A plantação aqui é orgânica e o dono da terra vende para supermercados de Ceará-Mirim e Natal", explica.
O trabalho de mapeamento não tem data para começar. A coleta de dados vai de encontro com o que está expresso no PDN. Depois de mapeados, a Emater-RN quer realizar um trabalho macro, aproveitando as terras devolutas. "Atualmente, as atividades ligadas ao campo rural, teoricamente, não poderiam ser exercidas no território da capital potiguar simplesmente porque não existe terra para plantar. Na prática, isso não é realidade. Na realização de nosso trabalho, percebemos que existem muitos espaços que deveriam ser aproveitas de melhor forma", comenta Nísia. "A verdade [de não existir área rural] não é essa, principalmente nas áreas periféricas, nos bairros mais afastados, que é o caso do Gramorezinho e Guarapes. Lá, existem vários produtores em terras com mais de um hectare", aponta.
No Guarapes, a produção é pequena e concentra-se, entre outros, em chicória, alface, coentro, cebolinha, salsa, salsinha, berinjela e beterraba. São 22 itens. Entre os produtores, está a agricultora Maria de Lourdes, 45 anos. Ela conta que o trabalho poderia ser mais rentável economicamente caso existisse apoio de outros órgãos. O maior entrave para a produção é o mesmo que afeta os agricultores do interior do Estado: água. "Nós até temos um poço aqui perto, mas falta o motor para puxar a água", comenta.
O que é produzido no Guarapes é comercializado em pequenas feiras realizadas em prédios públicos e privado. Às quartas-feira, no Centro de Saúde de Cidade Satélite; às quintas, é a vez da secretaria estadual de Saúde (Sesap). Às sextas, o local escolhido é o Centro Administrativo do Estado e, por fim, aos sábados acontece uma feira no Condomínio Floriano Cavalcanti, em Petrópolis. "Queremos expandir essa comercialização. Vamos trabalhar nesse sentido", promete Nísia Cordeiro.
Supermercados monitoram produção
Em outubro passado, a Associações de Supermercados do Rio Grande do Norte (Assurn) e do Brasil lançaram o Programa de Rastreamento e Monitoramento de Agrotóxicos (RAMA). O programa foi criado para monitorar o nível de agrotóxicos em frutas, verduras e legumes comercializados no Estado e orientar os empresários quanto a escolha dos fornecedores. Entre 90 e 100 lojas já aderiram. A ideia é que todos os atacadistas e varejistas do RN passem a rastrear os alimentos nos próximos meses. O programa terá um custo extra de R$ 0,02 a R$ 0,03 para o consumidor final, dependendo da rede de supermercados, segundo a Assurn. O RN é o primeiro Estado a implantar o rastreamento, que será acompanhado de perto pelo MPE.
Quem quiser vender frutas, verduras e legumes para as redes que aderiram ao RAMA terá que seguir as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto ao uso dos agrotóxicos. Frutas, verduras e legumes monitorados receberão um selo, que permitirá ao consumidor identificar a origem de cada produto. Só receberão a etiqueta e serão comercializados os que passarem nos testes. Os produtores que entregarem frutas, verduras e legumes fora dos padrões em termos de agrotóxicos nos suepermercados potiguares terão que apresentar um plano de ação e corrigirem o problema. O custo do programa será dividido entre os envolvidos, de forma "democrática". Cada empresário pagará R$ 10 por cada caixa na loja no final do mês. Assim, o supermercado com 10 caixas pagará mensalmente R$ 100. Os atacadistas pagarão centavos por cada quilo comercializado.
Um relatório divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), há um ano, mostrou que 25% dos legumes, frutas e verduras comercializados no RN estavam contaminados com agrotóxicos. A média do Estado ficou um pouco abaixo da nacional (27%).
Agricultores apostam nos orgânicos
A estrutura chama atenção de quem passa pela RN-313, no distrito parnamirinense de Pium. Do lado esquerdo de quem segue para Parnamirim, é possível ver a estufa localizada atrás de restaurante, entre casas, bares e outras propriedades rurais. Dentro da estufa, centenas de mudas de alface e outras hortaliças aguardam cerca de 18 dias para então serem plantadas no campo. Não há utilização de agrotóxico. A plantação é motivo de orgulho para o agricultor Antônio de Lima, 48 anos, que vende seus produtos para a comunidade local. O produtor pensa alto e quer ver seus produtos na mesa de mais potiguares.
Uma pequena parte da produção é repassada para a Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Norte S.A. (Ceasa-RN). Porém, o público consumidor é mesmo a vizinhança de Antônio. "Vendo para os restaurantes de Pirangi, Cotovelo e aqui mesmo em Pium", conta. Por semana, contando com a ajuda de mais quatro homens, Antônio colhe cerca de quatro mil pés de alface, além de uma quantidade considerável de rúcula, salsinha e agrião. "Pouca coisa vai para a Ceasa", explica.
O coordenador administrativo operacional da Ceasa-RN, Gilbran Maia, confirma a informação de que muito pouco do que é comercializado no local é oriundo de plantações locais. Do RN, produtos mais perecíveis como mamão, melão e melancia são os destaques. A melancia, um dos itens com maior saída na Ceasa-RN, atualmente, é oriunda de Barreiras-BA.
E mesmo produtos hortifrutigranjeiros, como coentro, alface e outras folhagens, ao contrário do que se pensa, não são potiguares. "Esses produtos, em sua maioria, vêm do Pernambuco", completa Gilbran. Mas, se depender dos agricultores de Gramorezinho, a realidade pode mudar. O Projeto Amigo Verde - convênio firmado em parceria pelo Ministério Público Estadual com a Petrobras, o Sebrae e a Emater - promete substituir o cultivo com agrotóxicos por uma agricultura orgânica na comunidade. Segundo dados da promotoria do Meio Ambiente, irá beneficiar diretamente 120 famílias - cerca de 500 pessoas - e indiretamente toda a população de Natal. O objetivo é substituir paulatinamente o uso do agrotóxico pelo cultivo orgânico, saudável, a partir da assistência técnica da Emater e do incentivo ao empreendedorismo do Sebrae.
Como a mudança exige necessariamente um período de diminuição do atual ritmo de produção, haverá um subsídio de cerca de R$ 400. O investimento é de R$ 1 milhão. O convênio foi assinado em junho passado. A tarefa dos executores do projeto não será fácil. O uso de agrotóxicos na comunidade é tradicional. Há muitos anos, segundo os próprios agricultores, o "veneno", como é popularmente chamado, é a condição básica para que o alface, o coentro, a cebolinha, o pimentão, entre outras hortaliças, consiga crescer no solo daquelas terras, por onde passa o rio Doce. Essa forma de gerir a plantação vinha sendo repassada naturalmente dos mais velhos para os mais novos, de forma indiscriminada. Os agricultores não têm uma noção muito exata dos motivos pelos quais é necessário usar os pesticidas, mas usam. Sabem que até hoje sem o "veneno" não cresce nada, enquanto que com o "veneno" é possível colher o que foi plantado.
Com a mudança de postura, acredita-se que a produção seguirá com novo patamar e brevemente os produtos estarão disponíveis em barracas do Ceasa e prateleiras dos supermercados natalenses.
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