PARTICIPE DE NOSSAS AÇÕES TRANFORME E SUA CONTRIBUIÇÃO EM UMA AÇÃO SOCIAL - DOE QUALQUER VALOR

CONTRIBUA: 9314 ITAU - 08341 2 NUMERO DA CONTA CORRENTE - deposite qualquer valor

FAÇA UM GESTO DE CARINHO E GENEROSIDADE DEPOSITE EM NOSSA CONTA CORRENTE ITAU AG; 9314 C/C 08341 2

CONTRIBUA QUALQUER VALOR PAG SEGURO UOL OU PELA AG: 9314 CONTA 08341 2 BANCO ITAU

domingo, 5 de dezembro de 2021

Entre os anos de 2010 e 2020, os casos de infecção pelo HIV no RN, cresceram 93,1%. Isso significa a ocorrência de 6.158 casos no período.

 






Assim pega: 
Sexo vaginal sem camisinha; 
Sexo anal sem camisinha; 
Sexo oral sem camisinha; 
Uso de seringa por mais de uma pessoa; 
Transfusão de sangue contaminado; 
Da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; 
Instrumentos que furam ou cortam não esterilizados. 


0% dos casos de infecção registrados no RN até dezembro de 2020 ocorreram entre homens; com concentração na faixa etária de 20 a 29 anos (35,3%) dos casos registrados;

Entre os anos de 2010 e 2020, os casos de infecção pelo HIV no RN, cresceram 93,1%. Isso significa a ocorrência de 6.158 casos no período.

38 milhões é o número estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de pessoas vivendo com o HIV no mundo;

920 mil é o número estimado pelo Ministério da Saúde de pessoas vivendo com o HIV no Brasil.



Assim não pega: 
Sexo desde que se use corretamente a camisinha; Masturbação a dois; 
Beijo no rosto ou na boca; Suor e lágrima; 
Picada de inseto; 
Aperto de mão ou abraço; Sabonete/toalha/lençóis; Talheres/copos; 
Assento de ônibus; 
Piscina; 
Banheiro











Entre os anos de 2010 e 2020, os casos de infecção pelo HIV no Rio Grande do Norte cresceram 93,1%. Isso significa a ocorrência de 6.158 casos no período. Os dados constam no mais recente Boletim Epidemiológico HIV/Aids da Secretaria de Estado da Saúde Pública  e foram analisados por médicos e multiprofissionais do Instituto Santos Dumont (ISD), em Macaíba. No estado, o documento detalha aumento de registros de casos em todas as faixas etárias, em ambos os sexos, assim como entre grávidas e na ocorrência de óbitos pela infecção. Na quarta-feira, 1º de dezembro, ações em todo o mundo foram dedicadas ao Dia Mundial da Aids, doença que já matou 33 milhões de pessoas desde sua descoberta, nos anos 1980.


 





O Boletim em referência foi elaborado pelo Programa Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), Aids e Hepatites Virais. Ele apresenta uma análise epidemiológica sobre os casos confirmados de Aids em adultos e crianças, de mortalidade pela doença, de infecção pelo vírus HIV, de grávidas infectadas e de crianças expostas ao vírus. Conforme exposto, entre 2010 e 2020, o Rio Grande do Norte apresentou 6.232 casos de Aids. Desses, 70 foram em menores de cinco anos de idade; 6.158 casos de infecção pelo HIV; 995 gestantes infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana. O número de óbitos pela doença, no período analisado, chegou a 1.365.





Em termos percentuais, somente a taxa de detecção do vírus em menores de cinco anos caiu no período: 43%. As demais aumentaram significativamente. A detecção do HIV cresceu 18,6% (de 14,0 para 16,6 casos por 100 mil habitantes). A ocorrência de gestantes infectadas pelo HIV aumentou 142% (de 1,2 para 2,9 casos por mil nascidos vivos). O número de crianças expostas ao vírus teve a evolução mais dramática: 877% de 2010 a 2020. A ocorrência de óbitos causados pela Aids cresceu, no mesmo intervalo, 15,7% em todo o Rio Grande do Norte.





“É uma doença de difícil controle. Depende do comportamento das pessoas. Há uma queda no uso de preservativos, principalmente entre os jovens. Em 2020, houve queda no número de testes e aumento na identificação de casos. Depende muito de cada um. Ações nas escolas, de forma educativa para os adolescentes, são muito importantes. Quanto mais informação, melhor é a prevenção. Isso não tem sido realizado nas escolas públicas e privadas, por exemplo. O estado está preparado para esse aumento de demanda de casos, para atendimento de pacientes com HIV e Aids, com distribuição gratuita de medicamentos enviados pelo Ministério da Saúde. O ideal, porém, é conscientizar a população para a prevenção. Não é porque a Aids não mata mais como antes que as pessoas devem perder o medo de contrair a doença”, frisa Amanda Dantas, técnica do Programa Estadual de IST, Aids e Hepatites Virais da Sesap/RN.
 
Na década em questão, foram registrados 4.441 casos em homens (71,3%) e 1.791 casos em mulheres (28,7%). A Sesap verificou aumento na razão de sexos em 2020, com 3 casos em homens para cada 1 caso em mulheres. A maior concentração de ocorrência de HIV entre 2010 e 2020, foi observada nos indivíduos com idade de 30 a 39 anos (31,1%). A principal via de transmissão, no período analisado, foi a sexual, em 53% dos casos. Entre os homens, a categoria de exposição predominante foi a homossexual/bissexual com 27,5%. Entre o sexo feminino, a maior ocorrência é entre heterossexuais, com 55,6%. Nos homens, a faixa etária que apresentou maior variação foi a de 60 anos e mais (100%) e, nas mulheres, o maior crescimento foi observado na faixa etária de 30 a 39 anos.
 





A preceptora médica infectologista do ISD, Manoella Alves, faz um alerta em relação ao aumento de casos de infecção pelo HIV entre os mais jovens. “Infelizmente, no estado, assim como no país, a gente tem uma grande quantidade de jovens se infectando. Uma faixa etária entre 20 e 29 anos, na qual eu tenho feito muitos diagnósticos. O que é uma pena. Além de todo o trabalho para que esse jovem se proteja no ato sexual, existe a PREP, que é a Profilaxia Pré-Exposição. Esse programa existe dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”, ressalta.

Centro de Educação do ISD atende grávidas com HIV
O Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (Anita), uma das unidades do ISD, é referência estadual para o SUS para atendimento de mulheres grávidas infectadas pelo vírus. De 2018 a 2020, o número de mulheres infectadas pelo HIV que realizam o pré-natal no Anita aumentou 45,45% - saindo de 11 para 16. De janeiro a setembro deste ano, 12 pacientes nessa condição tinham iniciado o tratamento multiprofissional, com equipe composta por infectologista, ginecologista e obstetra, psicóloga, enfermeira, assistente social e farmacêutica bioquímica.


“Todas as gestantes que entram no Anita, em algum momento, irão fazer o teste rápido para HIV, sífilis e hepatites virais. O protocolo do Ministério da Saúde define que sejam realizados testes no primeiro trimestre de gestação, no início do pré-natal e outro no terceiro trimestre de gravidez. No momento do parto, a mãe é novamente testada para HIV e sífilis. Os dados do Boletim atual da Sesap apontam um reflexo do aumento do número de casos nesse público. A triagem durante a gestação é muito eficiente”, aponta Carla Glenda Souza  da Silva, preceptora multiprofissional psicóloga do ISD. Ela ressalta, porém, que além dos casos de infecção pelo HIV, há uma prevalência de ocorrência de sífilis entre as mulheres grávidas que pode resultar em sequelas irreversíveis ao bebê, como doenças  neurológicas graves, caso não tratada a tempo e de forma hábil.

Entre as mulheres grávidas soropositivas acompanhadas pelos profissionais do Anita, há uma adolescente de 15 anos de idade, corroborando as estatísticas da Sesap/RN. “Ela foi infectada aos 13 anos, na primeira relação sexual que teve, com o primeiro namorado. Há um perfil das mulheres que atendemos hoje: possuem baixa escolaridade, não possuem acesso à informação adequada, vivem em situação de vulnerabilidade econômica, são submissas aos companheiros por questões diversas. Muitos não aceitam o uso da camisinha. É difícil empoderar mulheres nessas condições, pois elas se sentem acuadas”, declara Carla Glenda Souza da Silva.




Para acompanhar mulheres nessas circunstâncias, o Setor de Serviço Social do ISD desenvolve um trabalho de intervenção que envolve a articulação com a rede intersetorial, formada por diversas áreas como saúde, segurança, educação, trabalho, entre outras. Ele visa garantir o cumprimento das consultas, a realização de exames, o deslocamento das pacientes em carros das respectivas prefeituras municipais às quais pertencem seus endereços e o recebimento ininterrupto da medicação antirretroviral. O tema da campanha deste ano para o Dia Mundial da Aids, elaborada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS) é: “Acabe com as desigualdades. Acabe com a AIDS. Acabe com as pandemias”. Esta data, segundo a OPAS/OMS, constitui uma oportunidade para apoiar as pessoas envolvidas na luta contra o HIV e melhorar a compreensão do vírus como um problema de saúde pública global.

“É extremamente importante a realização do acompanhamento das pessoas vivendo com HIV/Aids por equipes multiprofissionais, visto que a atenção demanda olhares diversos e complementares. O cuidado a estas pessoas requer uma atuação profissional especializada que possa promover a melhoria da qualidade de vida e o alcance dos direitos que lhe são assegurados. As articulações com os demais serviços que integram as redes municipal e estadual de atendimento buscam atender as demandas que ultrapassam o tratamento médico e medicamentoso, sobretudo, no que se refere ao preconceito e a dificuldade de acesso aos serviços básicos como educação, trabalho, cultura, lazer, entre outros”, afirma a assistente social do ISD, Alexandra Lima. 






Dados:

Aids em Crianças  
110 casos em crianças menores de 13 anos de idade (entre 2010 e 2020), das quais 70 foram diagnosticadas antes dos cinco anos de idade; 

Binômio mãe-bebê 
142% de aumento na taxa de detecção de HIV em gestantes; 

117% no número de casos de gestantes infectadas pelo HIV; 

77,3% das contaminações nessa faixa etária ocorrem pela transmissão vertical (mãe-bebê durante o 
parto); 

Óbitos por Aids no RN 
1.365 óbitos por Aids no RN na década analisada (977 homens e 388 mulheres) , com predominância em pessoas de 40 a 49 anos (28,7%);  

15,7% de aumento de óbitos no período analisado; 

Perfil das pessoas infectadas 
70% dos casos de infecção registrados no RN até dezembro de 2020 ocorreram entre homens; com concentração na faixa etária de 20 a 29 anos (35,3%) dos casos registrados; 

38 milhões é o número estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de pessoas vivendo com o HIV no mundo; 

920 mil é o número estimado pelo Ministério da Saúde de pessoas vivendo com o HIV no Brasil. 





Contaminação 

Assim pega: 
Sexo vaginal sem camisinha; 
Sexo anal sem camisinha; 
Sexo oral sem camisinha; 
Uso de seringa por mais de uma pessoa; 
Transfusão de sangue contaminado; 
Da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; 
Instrumentos que furam ou cortam não esterilizados. 

Assim não pega: 
Sexo desde que se use corretamente a camisinha; Masturbação a dois; 
Beijo no rosto ou na boca; Suor e lágrima; 
Picada de inseto; 
Aperto de mão ou abraço; Sabonete/toalha/lençóis; Talheres/copos; 
Assento de ônibus; 
Piscina; 
Banheiro



sábado, 9 de outubro de 2021

Antonieta de Barros, a parlamentar negra pioneira que criou o Dia do Professor Uma das três primeiras mulheres eleitas no Brasil, sua bandeira política era o poder revolucionário e libertador da educação para todos





“Só vivem os que lutam, viver é um eterno lutar”, semeou Antonieta. 





 

Antonieta de Barros, a parlamentar negra pioneira que criou o Dia do Professor...


    Um menino no interior do Maranhão comemora o 15 de outubro, assim como uma menina gaúcha. O dia do professor é celebrado em todo o Brasil. Sabem esses estudantes quem é a extraordinária heroína brasileira que criou a data? Seus feitos, sua história? Sabem os professores destes estudantes algo sobre ela? Ou será que esta personagem fantástica, mulher e negra, foi invisibilizada?




Antonieta de Barros como paraninfa das formandas no curso de magistratura do Instituto Coração de Jesus/Foto: Reprodução/Livro Antonieta de Barros professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil


Antonieta de Barros foi excepcional. Está entre as três primeiras mulheres eleitas no Brasil. A única negra. Foi eleita em 1934 deputada estadual por Santa Catarina, mesmo ano que a médica Carlota Pereira de Queirós foi eleita deputada federal por São Paulo. Sete anos antes, Alzira Soriano havia sido eleita prefeita num pequeno município do Rio Grande do Norte, primeiro estado a permitir disputas femininas.



Expoente da ideia “anárquica” de que as mulheres deveriam ter direito ao voto, a bióloga Bertha Lutz trocou inúmeras cartas com Antonieta na década de 1930. Vale lembrar, Antonieta foi eleita menos de meio século após a abolição da escravatura e apenas dois do sufrágio —que deu às mulheres direito ao voto facultativo. Num país fortemente preconceituoso quanto à classe, cor e gênero tinha orgulho de sua história.

Nasceu em Desterro, como era chamada Florianópolis, no dia 11 de julho de 1901. No registro de batismo, na Cúria Metropolitana, realizado pelo Padre Francisco Topp, não aparece o nome do pai. A mãe era Catarina Waltrich, escrava liberta. No imaginário popular, a verdadeira paternidade estaria ligada à família Ramos, uma das mais tradicionais do Estado.

A bandeira política de Antonieta era o poder revolucionário e libertador da educação para todos. O analfabetismo em Santa Catarina, em 1922, época que começou a lecionar, era de 65%. Isso que o Estado, sobretudo pela presença alemã, aparecia com um dos índices mais altos de escolarização do país, seguidos por São Paulo.

Segundo conta Karla Leonora Dahse Nunes na sua dissertação de mestrado, Catarina teve três filhos e os sustentava como lavadeira, serviço comum às mulheres negras da época. Também teve, com a ajuda financeira de Vidal Ramos, uma pequena pensão para estudantes. Foram esses jovens que ensinaram as letras tardiamente para a curiosa Antonieta. Alfabetizada, mergulhou por conta própria no universo dos livros.


Professora formada, tinha 17 anos quando fundou o curso particular “Antonieta de Barros”, com o objetivo de combater o analfabetismo de adultos carentes. Sua crença era que a educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão. Sua fama de excelente profissional, no entanto, fez com que lecionasse também para a elite nos Colégio Coração de Jesus, Dias Velho e Catarinense.

Se existissem barreiras, lá estaria Antonieta para rompê-las.

Sua defesa acirrada pela educação fez com que ocupasse as páginas dos jornais. Além de professora, virou cronista. Não havia outra mulher em posição semelhante no Estado. Em 23 anos de contribuição à imprensa escreveu mais de mil artigos em oito veículos e criou a revista Vida Ilhoa.

De seus opositores nos jornais e nas bancadas, ouviu que “mulheres não deveriam opinar, pois nasceram para servir”, “que a natureza não dá saltos, cada ser deve conservar-se no seu setor, e a finalidade da mulher é ser mãe e ser rainha do lar” e que “não seguisse o exemplo de Anita Garibaldi, uma vagabunda”.

Mas aqueles homens brancos da elite oligárquica e política, não a intimidaram. Antonieta era forte, mulher de fibra. Não havia quem tivesse argumentos para calá-la. As calúnias eram rebatidas com intelecto e destreza nos artigos assinados sob pseudônimo Maria da Ilha. Sua caneta era afrontosa. Escrevia sobre educação, os desmandos políticos e a condição feminina. Dizia que as mulheres não deveriam ser “virgens de ideias”.

Honesta, enérgica e humana, era respeitada e admirada por seu espírito de justiça. Tinha voz numa época que as mulheres eram silenciadas. Escreveu dois capítulos da Constituição catarinense, sobre Educação e Cultura e Funcionalismo, até ser destituída do cargo pelo golpe de Getúlio Vargas.

Em 1937, publicou o livro Farrapos de Ideias. Os lucros da primeira edição foram doados para construção de uma escola para abrigar crianças, filhas de pais internados no leprosário Colônia Santa Tereza. A obra teve outras duas edições.

Uma das poucas frustrações da carreira de Antonieta foi não ter cursado o ensino superior. Seu sonho era a Faculdade de Direito, exclusiva para homens. Mas na política ela brilhou, foi eleita novamente em 1947. Desde sua vitória, apenas outras 15 mulheres ocuparam uma cadeira na Assembleia de Santa Catarina. Nenhuma negra. Antonieta ainda não teve herdeira de luta.

A primeira grande lei educacional do Brasil foi sancionada por dom Pedro I em 15 de outubro em 1827, um marco para a educação brasileira. A data era comemorada informalmente, mas foi um projeto de Antonieta a lei que criou o Dia do Professor e o feriado escolar nessa data (Lei Nº 145, de 12 de outubro de 1948), em Santa Catarina. A data seria oficializada no país inteiro somente 20 anos depois, em outubro de 1963, pelo presidente da República, João Goulart. Outras leis importantes foram concessões de bolsas de cursos superiores para alunos carentes e concursos para o magistério, para elevar o ensino público e evitar apadrinhamentos.

Antonieta deveria ser uma espécie de Frida Kahlo brasileira. Foi feminista numa sociedade conservadora, negra e mulher numa terra de oligarquias, mestre de centenas de jovens da elite branca que jamais deixaram de reverenciar sua cultura e personalidade. E é a prova que não são apenas as manifestações de raiz açoriana que sustentam a cultura de Florianópolis.

“A grandeza da vida, a magnitude da vida, gira em torno da educação”, escreveu em seu livro. Seu nome deveria ser conhecido por cada criança que homenageia seus professores no dia 15 de outubro. Por cada mulher que exerce seu direito ao voto e disputa vagas nas eleições. Por fim, por cada brasileiro que sai às ruas indignado com os preconceitos de cor, classe e gênero.

213 anos de escravidão: a herança de Antonieta

Para percebermos como Antonieta foi célebre basta entender um pouco do contexto histórico de Santa Catarina, o Estado com maior população dita branca do país. Da primeira expedição de Martim Afonso de Souza, em 1531, até o último navio negreiro que aportou no Rio de Janeiro, em 1856, quatro milhões de africanos foram sequestrados para se tornarem escravos em solo brasileiro.

Desterro (Florianópolis), território Guarani, foi povoada em 1675, quando o bandeirante Francisco Dias Velho, vindo da Capitania de São Vicente (São Paulo), se apossou das terras com sua família e uma comitiva de 400 pessoas, a maioria, indígenas e negros escravizados.

Há inegáveis traços africanos na construção da identidade catarinense, mas eles são apagados. A presença negra não é lembrada pela história popular, embora, no século 19, 20% da população de Desterro tenha sido negra. No mesmo período, no Planalto Serrano, de onde veio Catarina, mãe de Antonieta de Barros, chegava a 50%, de acordo com o livro Negro em Terra de Branco, escrito por Joana Maria Pedro, Ligia de Oliveira Czesnat, Luiz Felipe Falcão, Orivalda Lima e Silva, Paulino Francisco de Jesus Cardoso e Rosângela Miranda Cherem.

Segundo o livro, a economia da província não se baseava em latifúndios, mas a presença negra não era, de modo algum, inexpressiva. O negro escravizado desempenhava funções na pesca de peixes e baleias. Trabalhava com seus senhores nas plantações de arroz e mandioca. Exercia ofícios de sapateiros, pedreiros, marceneiros, ferreiros e soldados. Servia para os cuidados domésticos da elite burocrática e militar. E ainda como lava-pés e cadeirinhas.

resistência à escravidão é bastante documentada do começo a metade do século 19. Da criação de grupos cívicos à fundação de irmandade como a Nossa Senhora do Rosário, que coletava fundos para compras de alforrias. A opressão não era pouca. Negros não podiam se aglomerar, “vadiar” pelas ruas, nem cantar e dançar sob pena de 50 chibatadas.

No livro Navegadores e Exploradores de Santa Catarina, Roberto Wildner traz a figura do naturalista Langsdorff. É do cientista o relato cruel sobre o comércio em Desterro, em 1803: “A quantidade de escravos negros de ambos os sexos que se veem aqui é estranha aos olhos desacostumados de um europeu qualquer. Despertou-me revolta especial quando vim pela primeira vez a Nossa Senhora do Desterro e vi um grande número destas criaturas abandonadas, nuas, deitadas frente às portas de ruas laterais e oferecidas à venda. Apenas as regiões púbias estavam cobertas com um velho pano rasgado que após alguns dias eram substituídos por um grosseiro tecido azulado”.

Em Florianópolis, a primeira vez que esse tema apareceu no mundo acadêmico foi em 1960, na pesquisa dos jovens sociólogos, à época, Fernando Henrique Cardoso e Otavio Ianni, reeditada como Negros em Florianópolis. Na obra, ficam claro os preconceitos de cor e o quanto Santa Catarina se esforçou para ser a “Europa dentro do Brasil”.

Não foi o espírito humanitário que engajou as campanhas abolicionistas. Foi a esperança no branqueamento da população que ansiava pela modernidade econômica. O negro não cabia nesse plano, pois era visto como atraso, um impeditivo aos novos tempos. O resultado da repulsa pelos negros foi que os abolicionistas não lutaram por retratação histórica, nem se preocuparam com o destino de milhares de pessoas após a abolição.

Desterro ansiava pela chegada dos europeus, que deixariam a população de pele e olhos claros e teriam vocação para o trabalho e o progresso. Tinha pressa. Foi a terceira capital da abolição. Jornais da época tinham como principais produtos de beleza, o “Cremme Oriza, para branquear, abrandar e refrescar a pele” e o “Tônico Oriental para cabelos finos como seda”.

No entanto, nos portos aos quais chegaram os imigrantes, primeiro os açorianos, depois alemães e italianos, eram os negros que trabalhavam de estivadores. Já no início do século XX, o início da modernização arquitetônica modificou a imagem de Florianópolis. Os casebres dos negros, situados no centro da cidade, foram demolidos. O de Antonieta permaneceu em pé por interferência da família Ramos.

Criou-se, então, a lei das tábuas. O governo deu tábuas para os negros com a condição que construíssem suas casas longe da vista. Aí começou a ocupação dos morros. Surgiram as comunidades do Morro da Caixa D'Água, da Coloninha e do Continente. Em seguida, nasceram clubes como União Recreativa 25 de Dezembro, Brinca Quem Pode, Flor da Mocidade, Flor do Abacate, Tiramão.

Houve o florescimento de uma intelectualidade negra, Ildefonso Juvenal da Silva, Trajano Mar­garida, João Rosa Júnior, Amália Efigênia da Silva, Maria da Rosa Lapa, Demerval Cordeiro dos Santos, Maria Carlita, Dorvalina Machado Coelho e Maria Venânia —professores, jornalistas, poetas, compositores, músicos, oradores da geração de Antonieta—, costumeiramente desdenhados pela elite branca.

Antonieta era a exceção. Era aceita pelos brancos. Mas, vale ressaltar que, de 1929 a 1951, escreveu em oito jornais sem nunca ter falado de sua cor. O que não foi impeditivo para ouvir de um colega de bancada parlamentar, o médico Oswaldo Rodrigues Cabral, que ela escrevia “intriga barata de senzala”.


Herois de todo mundo: Antonieta de Barros:...

clica aqui:...

 

https://youtu.be/pcdtaQHdtz4 


https://youtu.be/qSCo8tkPWkA 


https://canaisglobo.globo.com/assistir/futura/herois-de-todo-mundo/v/5438007/

MAIS INFORMAÇÕES


Aline Torres é jornalista, escritora e criadora da Construtores de Memórias, uma agência de narrativas, especializada em transformar lembranças afetivas em livros, reportagens e documentários.


Herois de todo mundo: Antonieta de Barros:...

clica aqui:...

 

https://youtu.be/pcdtaQHdtz4 


https://youtu.be/qSCo8tkPWkA 


https://canaisglobo.globo.com/assistir/futura/herois-de-todo-mundo/v/5438007/

sábado, 11 de setembro de 2021

História ESCEAVIZADOS - O destino dos negros após a Abolição

 

História - O destino dos negros após a Abolição

2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011

Para Todos nº 458, 24 de setembro 1927

Morro da Favela (atual Providência), em 1927. Após a Lei Áurea, os negros libertos foram buscar moradia em regiões precárias e afastadas dos bairros centrais das cidades. Uma grande reforma urbana no Rio de Janeiro, em 1904, expulsou as populações pobres para os morros

Gilberto Maringoni - de São Paulo

A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente. Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação


A campanha que culminou com a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, foi a primeira manifestação coletiva a mobilizar pessoas e a encontrar adeptos em todas as camadas sociais brasileiras. No entanto, após a assinatura da Lei Áurea, não houve uma orientação destinada a integrar os negros às novas regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado.

Esta é uma história de tragédias, descaso, preconceitos, injustiças e dor. Uma chaga que o Brasil carrega até os dias de hoje.

Uma das percepções mais agudas sobre a questão foi feita em 1964 pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). Em um livro clássico, chamado A integração do negro na sociedade de classes, ele foi ao centro do problema:

“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.

As razões desse descaso ligam-se diretamente à maneira como foi realizada a libertação.

Várias causas podem ser arroladas como decisivas para a Abolição, algumas episódicas e outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra: o que inviabilizou o escravismo brasileiro foi o avanço do capitalismo no País. Longe de ser um simplismo mecânico, a frase expressa uma série de contradições que tornaram o trabalho servil não apenas anacrônico e antieconômico, mas sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do País. Com isso, sua legitimidade passou a ser paulatinamente questionada.

ACELERADA TRANSFORMAÇÃO O Brasil das últimas três décadas do século XIX era uma sociedade em acelerada transformação. A atividade cafeeira vinha ganhando o centro da cena desde pelo menos 1840. O setor exportador torna-se o polo dinâmico da economia, constituindo-se no principal elo do País com o mercado mundial. Havia outras atividades de monta ligadas à exportação, como a borracha e a cana. Mas, a essa altura, a supremacia do café era incontestável.

A partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), a agricultura de exportação vive uma prosperidade acentuada. Um expressivo fluxo de capitais, notadamente inglês, foi atraído para as áreas de infraestrutura de transportes – ferrovias, companhias de bonde e construção de estradas – e atividades ligadas à exportação, como bancos, armazéns e beneficiamento, todos garantidos pelo Estado.

O período marca a supremacia incontestável do império britânico. A expansão da economia internacional e a demanda crescente por matérias primas por parte dos países que viviam a Segunda Revolução Industrial resulta em um ciclo de investimentos nos países periféricos. O historiador inglês Eric Hobsbawm assinala o seguinte em seu livro A Era dos Impérios:

“O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano”.

A CAMPANHA ABOLICIONISTA Embora rebeliões, fugas e a organização de quilombos já existissem no Brasil desde o século XVI e várias rebeliões regionais já tivessem a emancipação dos cativos em pauta, uma campanha organizada só acontece nas últimas décadas do século XIX.

A questão entra na agenda institucional a partir do final de agosto de 1880, quando é fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Começavam, no Parlamento, os debates sobre o projeto de libertação geral, apresentado pelo deputado pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910).

Uma intensa pressão popular resulta na libertação dos negros no Ceará, em 1884. Uma aguda crise na lavoura e reflexos da seca de 1877, além da ação de grupos urbanos, inviabilizaram o regime de cativeiro na região. Incentivado por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraná.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

Desenho de Ângelo Agostini, Revista Illustrada nº. 427 (18 de fevereiro de 1886)

A essa altura, a libertação total dos escravos já era uma possibilidade real. A perda de legitimidade da escravidão acentuava-se especialmente nas grandes cidades. A reação vinha de setores da oligarquia cafeeira, temerosos de um solavanco nos negócios com a previsão de perda de seu “capital humano” da noite para o dia. Como as evasões tornavam- -se frequentes, aumentou a repressão contra escravos fugidos em vários municípios da província do Rio de Janeiro.

ESCRAVIDÃO E MODERNIDADE A escravidão concentrava-se nas partes mais modernas da economia e tornara-se menos relevante nos setores atrasados ou decadentes. Em 1887, o Ministério da Agricultura, em seu relatório anual, contabilizava a existência de 723.419 escravos no País. Desse total, a Região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo), produtora de café, abarcava uma população cativa de 482.571 pessoas. Todas as demais regiões respondiam por um número total de 240.848.

Ao mesmo tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em que convivem, lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão.

A implantação de uma dinâmica capitalista – materializada nos negócios ligados à exportação de café, como casas bancárias, estradas de ferro, bolsa de valores etc. – vai se irradiando pela base produtiva. Isso faz com que parte da oligarquia agrária se transforme numa florescente burguesia, estabelecendo novas relações sociais e mudando desde as características do mercado de trabalho até o funcionamento do Estado.

Para essa economia, o negro cativo era uma peça obsoleta. Além de seu preço ter aumentado após o fim do tráfico, em 1850, o trabalho forçado mostrava-se mais caro que o assalariado. Caio Prado Jr. (1907-1990), em seu livro História econômica do Brasil, joga luz sobre a questão:

“O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem a duração da vida de um indivíduo; assim sendo, (...) forma um adiantamento a longo prazo do sobretrabalho eventual a ser produzido. O assalariado, pelo contrário, fornece este sobretrabalho sem adiantamento ou risco algum. Nestas condições, o capitalismo é incompatível com a escravidão”.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

“O escravo corresponde a um
capital fixo cujo ciclo tem
a duração da vida de um
indivíduo; assim sendo, (...)
forma um adiantamento a
longo prazo do sobretrabalho
eventual a ser produzido. O
assalariado, pelo contrário,
fornece este sobretrabalho
sem adiantamento ou risco
algum. Nestas condições, o
capitalismo é incompatível com
a escravidão”

João Manuel Cardoso de Mello,
economista


O economista João Manuel Cardoso de Mello escreve em seu O capitalismo tardio que:

“O trabalho assalariado se tornara dominante e o abolicionismo, a princípio um movimento social amparado apenas nas camadas médias urbanas e que fora ganhando para si a adesão das classes proprietárias dos Estados não-cafeeiros, na medida em que o café passara a drenar para si escravos de outras regiões, recebera, agora, o respaldo do núcleo dominante da economia cafeeira. Abolicionismo e Imigrantismo tornaram-se uma só e mesma coisa”.

CARA E OBSOLETA Esta condição – da escravidão ser uma relação de trabalho obsoleta – acentuou a necessidade de sua superação, tanto no plano econômico quanto no social e político.

A Abolição não era apenas uma demanda por maior justiça social, mas uma necessidade premente da inserção do Brasil na economia mundial, que já abandonara em favor do trabalho assalariado, mais barato e eficiente.

Um artigo publicado no semanário abolicionista Revista Illustrada, em 30 de abril de 1887, argumenta que a economia brasileira àquela altura já não dependia majoritariamente do trabalho servil:

“Pelos dados do Ministério da Agricultura, calcula-se que a cifra dos escravizados não chegue a 500 mil. Tirem-se as mulheres (50%), tirem-se os escravos das cidades, que nada produzem, e ver-se-á que o que fica para auxiliar a produção nacional é uma cifra tão irrisória, que podemos, com orgulho, afirmar, que a produção do nosso país já é devida aos livres”.

Os números não são exatamente iguais aos do Relatório do Ministério da Agricultura, já mencionado. Mas o comentário é digno de nota.

O fim do regime de cativeiro em São Paulo, em fevereiro de 1888, por exemplo, é ilustrativo. Às rebeliões de escravos ao longo da década de 1880 vieram se somar o formidável fluxo de mão-de-obra imigrante que chegava para a lavoura e para a incipiente indústria, inaugurando o regime de trabalho livre. A província já iniciara uma arrancada econômica – com a construção de ferrovias, instalação de casas bancárias e aumento das exportações – que a colocaria, na segunda década do século XX, na dianteira do desenvolvimento nacional. A libertação não representou nenhum abalo de monta para a economia regional.

A situação era diversa na província do Rio de Janeiro. A região enfrentava uma crise, com vários produtores rurais endividados em bancos. A libertação poderia representar um sério abalo. Com isso, os fazendeiros fluminenses ficaram contra a libertação.

LIMITES DO ABOLICIONISMO Apesar da ênfase abolicionista de setores das camadas médias e mesmo das elites em alguns centros urbanos, a pregação libertária tinha limites. Eles tornam-se perceptíveis quando examinamos que tipo de campanha os ideólogos da elite pretendiam realizar. Vale a pena conhecer as ideias do mais importante intelectual da emancipação, Joaquim Nabuco. Como deputado, ele liderou a jornada no parlamento.

Um trecho de sua obra mais importante, O abolicionismo, escrita em 1882, é esclarecedor. Nesta, Nabuco alega ter um “mandato da raça negra” (embora escravos não votassem):

“O mandato abolicionista é uma dupla delegação, inconsciente da parte dos que a fazem, (...), interpretada pelos que a aceitam como um mandato a que não se pode renunciar. Nesse sentido, deve-se dizer que o abolicionista é o advogado de duas classes sociais que de outra forma não teriam meios de reivindicar seus direitos, nem consciência deles. Essas classes são: os escravos e os ingênuos. Os motivos pelos quais essa procuração tácita impõem-nos uma obrigação irrenunciável não são puramente - para muitos não são mesmo principalmente - motivos de humanidade, compaixão e defesa generosa do fraco e do oprimido”.

Rico, filho do senador José Tomás Nabuco de Araújo (1813-1878), o parlamentar é membro de uma importante família pernambucana que teve entre seus membros altos funcionários do Império. Sigamos suas concepções:

“A propaganda abolicionista (...) não se dirige aos escravos. Seria uma covardia, inepta e criminosa e, além disso, um suicídio político para o partido abolicionista, incitar à insurreição, ou ao crime, homens sem defesa e que a lei da Lynch, ou a justiça pública, imediatamente, haveria de esmagar”.

Por que Nabuco pensa assim? Acompanhemos:

“A escravidão não há de ser suprimida no Brasil por uma guerra servil, muito menos por insurreições ou atentados locais. (...) A emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento, e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e nas praças das cidades que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade”.

Sintetizemos: para Nabuco, o negro não tem consciência nem voz. Precisa de alguém para defendê-lo. É natural que quem o faça seja um branco, culto e influente. Mesmo assim, o negro não pode participar das mobilizações que visem mudar sua sina, sob pena de termos um cenário imprevisível.

Mesmo José do Patrocínio (1853-1905), tido como um abolicionista radical, não apresenta visão muito distinta. Pregava, no entanto, a necessidade de a campanha ganhar as ruas. O chamado Tigre da Abolição falava em “revolução”. Mas apontava ressalvas, dizendo ser necessária uma “aliança do soberano com o povo”:

“É uma revolução de cima para baixo. O povo não teria força por si só para realizar a abolição da escravidão”.

LEGALIDADE MONÁRQUICA As pregações de Nabuco e de Patrocínio envolviam duas vertentes principais.

A primeira é que o abolicionismo deveria ser conduzido nos estreitos limites da legalidade monárquica e escravocrata, no Parlamento e, no máximo, em salões e saraus. Deveria ser fruto de uma solução negociada entre o Estado e os fazendeiros, no espaço institucional e não no espaço social e público, sem risco de perda de controle.

A segunda é que os negros seriam sujeitos passivos nesse conflito. A essência da campanha abolicionista da chamada elite branca era clara: a emancipação deveria libertar os cativos sem tocar na ordem econômica vigente, centrada no latifúndio. Para isso, havia ao receio de que o movimento ganhasse as ruas, envolvendo seus principais interessados, os negros, e tivesse contornos de desobediência civil.

Em seu livro Onda negra, medo branco, Celia Maria Marinho de Azevedo chama a atenção para algumas decorrências dessa situação:

“Tudo se passa, enfim, como se os abolicionistas tivessem dado o impulso inicial e dirigido os escravos nestas rebeliões e fugas (...).Quanto aos escravos, tem-se a impressão de que são vítimas passivas, subitamente acordadas e tiradas do isolamento das fazendas pelos abolicionistas; ou então (...) a ideia que se passa é a de que o negro, apesar de toda a sua rebeldia, estava impossibilitado de conferir um sentido político às suas ações”.

Foi com esse caldo de cultura que se preparou a Abolição como uma intervenção restrita à libertação, sem medidas complementares, como reforma agrária, ampliação do mercado de trabalho, acesso à educação, saúde etc.

O que estava em jogo para a elite branca não era principalmente uma reforma social, mas a liberação das forças produtivas dos custos de manutenção de um grande contingente de força de trabalho confinada. A escravidão, no final do século XIX, tornara-se um obstáculo ao desenvolvimento econômico.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

O negro e o membro da elite. O primeiro, descalço, tira o chapéu, em respeito. O segundo parece alheio a quem está ao seu lado. A legenda da foto em Fon Fon nº 6, 18 de maio 1907 é: “Príncipe Dom Luiz [de Orleans e Bragança (1878-1921)] com o banhista Sant’Anna que o ensinou a nadar na praia do Flamengo”. A Abolição manteve libertos em posição subalterna na sociedade


A LIBERTAÇÃO Em maio de 1888 veio a Lei Áurea e, 16 meses depois, como consequência direta das contradições que vivia o País, a República.

Com a abundância de mão de obra imigrante, os ex-cativos acabaram por se constituir em um imenso exército industrial de reserva, descartável e sem força política alguma na jovem República.

Os fazendeiros – em especial os cafeicultores – ganharam uma compensação: a importação de força de trabalho europeia, de baixíssimo custo, bancada pelo poder público. Parte da arrecadação fiscal de todo o País foi desviada para o financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul e Sudeste. O subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou desequilíbrios regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta foi a reforma complementar ao fim do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos negros, estes ficaram jogados à própria sorte.

A esse respeito, Celia Maria Marinho de Azevedo lembra que:

“A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande que, em fins do século, a antiga preocupação com o destino dos ex-escravos e pobres livres foi praticamente sobrepujada pelo grande debate em torno do imigrante ideal ou do tipo racial mais adequado para purificar a ‘raça brasílica’ e engendrar por fim a identidade nacional”.

AS TEORIAS DO BRANQUEAMENTO A libertação trouxe ao centro da cena, além do projeto de modernização conservadora para a economia, o delineamento social que a elite desejava para o País. Voltemos a Joaquim Nabuco, em O abolicionismo:

“O principal efeito da escravidão sobre a nossa população foi africanizá-la, saturá- -la de sangue preto. (...) Chamada para a escravidão, a raça negra, só pelo fato de viver e propagar-se, foi se tornando um elemento cada vez mais considerável na população”.

Nabuco não pregava no deserto. O mais importante defensor da imigração como fator constitutivo de uma “raça brasileira” foi Silvio Romero (1851-1914). Republicano e antiescravocrata, ele notabilizou-se como crítico e historiador literário. Romero preocupa-se em relacionar fatores físicos e populacionais do País ao desenvolvimento da cultura. Segundo ele, no Brasil, desde o período colonial, se formou uma mestiçagem original. Este seria um fator decisivo para a superação de nosso atraso, através da futura constituição de uma “raça” brasileira, com supremacia branca. Daí a necessidade da imigração europeia. Vamos às suas palavras, em 1885, na introdução do livro Contos populares do Brasil (1885):

“Das três raças que constituíram a atual população brasileira a que um rastro mais profundo deixou foi por certo a branca segue-se a negra e depois a indígena. À medida, porém, que a ação direta das duas últimas tende a diminuir, com o internamento do selvagem e a extinção do tráfico de negros, a influência europeia tende a crescer com a imigração e pela natural tendência de prevalecer o mais forte e o mais hábil. O mestiço é a condição dessa vitória do branco, fortificando-lhe o sangue para habilitá-lo aos rigores do clima”.

Essas opiniões evidenciam o pensamento dos abolicionistas sobre a composição étnica pretendida para o País. Membros das camadas médias e altas urbanas, cultos, cosmopolitas, alguns ligados diretamente à oligarquia rural – caso de Nabuco – e em sua maioria defensores do “progresso” (os positivistas) ou do “desenvolvimento” (os liberais), a eles interessava sobretudo a modernização do país, a equiparação de hábitos de consumo aos correspondentes das camadas mais altas dos países ricos e a integração do Brasil, tanto econômica, como política e ideologicamente, aos parâmetros do liberalismo.

Não havia contradição, em fins do século XIX, em alguém se apresentar como um acendrado abolicionista e, ao mesmo tempo, manifestar um racismo ou um elitismo acentuado. Não há vínculo entre ambas as coisas, assim como não havia compromisso algum entre a grande maioria dos abolicionistas e os negros cativos. O mais importante era não tocar na ordem institucional, que tinha como pilar central a grande propriedade da terra.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

Desenho de Ângelo Agostinina Revista Illustrada nº 427, de 18 de fevereiro de 1886: denúncia crua da escravidão


RAÍZES DO RACISMO
 O preconceito racial abolicionista tinha raízes dentro e fora do País. A propalada superioridade da raça branca era parte constitutiva da ideia de “progresso”, lembra o historiador Eric Hobsbawm.

No século XIX, os maiores países europeus passam a ser, com hierarquias variadas, centros de poder imperial, conquistando colônias na África e na Ásia. Havia um nó teórico a ser desatado: como regimes liberais, lastreados nas ideias da Revolução Francesa (1789), poderiam colonizar nações inteiras, subjugando povos e culturas a seus desígnios?

É nesse ponto que surgem as primeiras teorias racialistas para justificar a superioridade intelectual, física e moral do europeu branco. O primeiro grande formulador foi o conde francês Joseph-Arthur Gobineau (1816–1882).

Diplomata, poeta, romancista e escultor, Gobineau tornou-se conhecido após a publicação de seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855). Se os outros povos eram inferiores, como poderiam ter os mesmos direitos dos europeus?

A noção de superioridade racial passara a ser legitimadora da ordem imperial, na qual o fornecimento ininterrupto e a bom preço de matérias primas era o combustível para o funcionamento da economia internacional. As teorias raciais surgiram para legitimar uma concepção de mundo que pregava liberdade, igualdade e fraternidade entre brancos e que justificava a superexploração de outras etnias.

E a ideologia do racismo passou a existir dentro de cada país, mesmo nos da periferia do sistema, como explicação determinista para a dominação de classe, o desnível social e a europeização acrítica de suas camadas dominantes.

INDESEJADOS DOS NOVOS TEMPOS Os ex-escravos, além de serem discriminados pela cor, somaram- -se à população pobre e formaram os indesejados dos novos tempos, os deserdados da República. O aumento do número de desocupados, trabalhadores temporários, lumpens, mendigos e crianças abandonadas nas ruas redunda também em aumento da violência, que pode ser verificada pelo maior espaço dedicado ao tema nas páginas dos jornais.

Escrevendo sobre esse período, Lima Barreto (1881-1922) ressalta que:

“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (...) fossem mais postos à margem”.

A descrição do historiador Luiz Edmundo (1878-1961), em seu livro O Rio de Janeiro do meu tempo, sobre morro de Santo Antônio e suas moradias e vielas miseráveis, poucos anos depois, mostra um pouco da cartografia humana da então capital:

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

Joaquim Nabuco, o principal teórico do movimento
abolicionista (Renascença nº 4, junho de 1904)


“Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte: mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças, enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho, verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de Deus...(...) No morro, os sem- -trabalho surgem a cada canto”.


O novo regime, apesar das promessas, não viera para democratizar a sociedade ou possibilitar uma maior mobilidade social. Por suas características acentuadamente oligárquicas, a República brasileira chegara para manter intocada uma estrutura elitista e excludente.

Por conta disso, as autoridades logo voltam-se para a repressão a diversas manifestações populares. A partir de 1890, são impiedosamente perseguidos os capoeiras, valentões, predominantemente negros e pobres, que praticavam essa modalidade de luta pelas ruas do Rio de Janeiro.

LARGADOS À PRÓPRIA SORTE Em que pesem alguns episódios específicos, a base fundamental da campanha abolicionista movida por setores da elite econômica dos anos 1880 estava longe de ser um humanitarismo solidário aos negros, ou a busca de reformas sociais democratizantes. Isso tornou-se evidente com o passar dos anos, apesar de um discurso contraditório de setores das classes dominantes, simpáticos à libertação. Havia, por exemplo, o caso do projeto abolicionista de Joaquim Nabuco. Rejeitado pela Câmara dos Deputados, em fins de 1880, o texto manifestava alguma preocupação social. Seu artigo 49 definia:

“Serão estabelecidas nas cidades e vilas aulas primárias para os escravos. Os senhores de fazendas e engenhos são obrigados a mandar ensinar a ler, escrever, e os princípios de moralidade aos escravos”.

E havia mais. O historiador Robert Conrad assinala que:

“Os abolicionistas radicais, como Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Antonio Bento, Rui Barbosa, Senador Dantas e outros esperavam que a extensão da educação a todas as classes, a participação política em massa e uma ampliação de oportunidades econômicas para milhões de negros e mulatos e outros setores menos privilegiados da sociedade brasileira viessem a permitir que estes grupos assumissem um lugar de igualdade numa nação mais homogênea e próspera”.

O mesmo pesquisador assinala ainda o fato de que “durante os anos abolicionistas, a reforma agrária foi proposta frequente e urgentemente”. E lembra do plano de André Rebouças, no qual grandes proprietários venderiam ou alugariam lotes de terras a libertos, imigrantes e lavradores. Trata-se de uma modalidade de reforma que prescinde da democratização fundiária, restringindo-se às regras do mercado então vigentes.

Quando a campanha abolicionista tomou vulto, tais propostas foram pouco a pouco sendo deixadas de lado.

Quais as razões disso? Voltemos a Florestan Fernandes. Talvez a resposta esteja sintetizada neste trecho de seu livro já citado:

“A preocupação pelo destino do escravo se mantivera em foco enquanto se ligou a ele o futuro da lavoura. Ela aparece nos vários projetos que visaram regular, legalmente, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, desde 1823 até a assinatura da Lei Áurea. (...) Com a Abolição pura e simples, porém, a atenção dos senhores se volta especialmente para seus próprios interesses. (...) A posição do negro no sistema de trabalho e sua integração à ordem social deixam de ser matéria política. Era fatal que isso sucedesse”.

A história que se seguiu confirmou essas palavras.

MIDIAS SOCIAIS COMPARTILHA...

Gostou? Compartilhe !!!

Postagens populares

visitantes diariamente na REDE MANDACARURN