Isaac Lira,
Júlio Pinheiro e
Ricardo Araújo - repórteres
O
conteúdo do depoimento de Carla de Paiva Ubarana Araújo Leal prestado
ao Ministério Público Estadual - apesar de estar em sigilo - vazou após
ser remetido aos Tribunais Superiores, em Brasília. A TRIBUNA DO NORTE,
através do
Blog do BG,
teve acesso ao conteúdo dos vídeos nos quais a ex-chefe da Divisão dos
Precatórios do Tribunal de Justiça - durante 4h37min e 05 segundos -
relata como as fraudes eram aplicadas no órgão supremo da Justiça
potiguar com a anuência de magistrados, tráfico de influência entre
advogados e agentes públicos e venda de sentenças. Além dos nomes já
oficializados à Justiça, em depoimento prestado no dia 30 de março
passado ao Juízo da 7ª Vara Criminal, Carla Ubarana apontou novos crimes
que envolvem desembargadores.
Reprodução
Acordo foi assinado antes do depoimento a promotores
Visivelmente
tranquila e disposta a contribuir com os promotores de Defesa do
Patrimônio Público e representantes do Grupo Especializado de Combate à
Corrupção (Gaeco), Ubarana teve o cuidado de perguntar, às minúcias, no
que consistia a delação premiada antes de assinar o termo que
oficializou sua colaboração com o Ministério Público Estadual. Ladeada
por seus advogados, Marcos Aurélio Santigo Braga e Otto Marcello de
Araújo Guerra, ela requisitou aos promotores que incluíssem em seu
acordo de delação a garantia da conversão da prisão preventiva que
estava sendo cumprida no Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João
Chaves, na zona Norte, em domiciliar. Além disso, ressaltou a
necessidade de retomar seu tratamento de saúde em Recife, interrompido
desde que foi presa no dia 31 de janeiro passado.
Os promotores a
tranquilizaram afirmando que o MPE não iria se "opor" aos seus pedidos
em relação ao que envolvia sua saúde, dando o direito, inclusive, dela
se ausentar de casa para realizar cirurgias ou consultas médicas,
conforme fosse necessário. Antes de assinar o termo, porém, Carla
Ubarana relatou que foi maltratada enquanto esteve presa na casa
carcerária e que sofria ameaças. "Toda noite eu era ameaçada dentro do
presídio por policiais", afirmou. Para não perder a linha do raciocínio
durante o depoimento, Ubarana consultava anotações e reafirmava seu
interesse em colaborar com as investigações em troca da redução da pena
ou do seu perdão judicial. "Eu queria só consultar meus papéis para não
esquecer uma vírgula", enfatizou a depoente.
Antes do início
oficial da delação, o advogado Marcos Aurélio Santiago Braga ressaltou a
necessidade da manutenção do conteúdo do depoimento da sua cliente em
sigilo. Durante a confecção do documento pelos promotores, Ubarana
solicitou a destituição oficial do seu ex-advogado, Felipe Cortez, e a
extensão de suas "regalias" ao seu marido, George Leal, também delator
do esquema de corrupção. Alegando sentir medo do que poderia ocorrer,
ela solicitou proteção aos filhos e aos parentes de primeiro grau.
Dentre
as inúmeras perguntas realizadas aos promotores, Carla sussurra se
possivelmente precisará encarar aqueles que foram citados em seu
depoimento. "Vai ter algum momento de tête à tête com algum?", indagou. O
MPE negou a possibilidade afirmando que não tem interesse na acareação
dos depoimentos. Assinado o termo de colaboração, Carla iniciou seu
discurso relembrando como entrou na Divisão de Precatórios à convite do
então presidente do TJ, Osvaldo Cruz, em 2006, e relatou o "modus
operandi" da Divisão e de como se negociavam sentenças judiciais e
solicitações de quebras de ordem cronológica na lista dos precatórios.
Ontem
à noite, a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público se posicionou
afirmando que o vazamento não ocorreu do Ministério Público Estadual e o
mesmo depoimento foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça,
Corregedoria Nacional de Justiça e Procuradoria Geral de Justiça.
Clique
aqui para acessar os vídeos.
Carla relata ameaças no presídioDurante
o depoimento prestado aos promotores do Patrimônio Público por conta da
delação premiada, Carla Ubarana fez várias citações a desembargadores
do Tribunal de Justiça, algumas baseadas em fatos presenciados pela
própria e outras baseadas em falas de terceiros. O ambiente que emerge
das declarações de Carla Ubarana, lembrando que nem todas as falas da
ex-chefe do setor de precatórios têm as provas correspondentes no MPE, é
uma organização passível de diversas influências suspeitas. Na mais
forte declaração, Ubarana explica porque tem medo.
"Eu temo pela
minha vida principalmente por causa de Rafael", afirma Carla, numa
referência ao desembargador Rafael Godeiro. "Eu sei do que ele é capaz.
Ele nunca teve idéia - nunca, jamais - que eu ia abrir a boca. Se ele
tivesse idéia, teria me procurado". No seguimento da fala de Ubarana,
ela relata as ameaças supostamente sofridas dentro do Complexo Penal
João Chaves. Essas ameaças partiram de pessoas que trabalhavam para o
sistema prisional. "Eu era ameaçada por policiais. Foram várias
ameaças", diz. Posteriormente, ela corrige dizendo que eram agentes
penitenciários os responsáveis pelas supostas ameaças.
Carla
Ubarana conta também que foi alertada, de uma forma que aparenta ser
difusa, por outros desembargadores do TJRN. O desembargador Vivaldo
Pinheiro teria, segundo a acusada, dito que ela era muito "atrevida".
"Ele me disse: Tome cuidado. Às vezes, podem pedir pra você fazer alguma
coisa e você não fazer e se prejudicar", disse, sem esclarecer
exatamente em que situação o alerta foi emitido. Ela apontou que outros
dois desembargadores fizeram alertas semelhantes: o desembargador
Cláudio Santos e o desembargador João Rebouças.
Um capítulo à
parte na fala de Carla Ubarana é o trânsito de advogados na corte
potiguar. A primeira menção é ao advogado Fernando Caldas, colocado pelo
Tribunal de Contas do Estado como suspeito de ter realizado um conluio
para agilizar o pagamento do precatório da Henasa. A acusada diz:
"Fernando tem muita influência dentro do Tribunal. Muita", relata. A
ex-chefe da divisão de precatórios do TJRN detalha essa suposta
influência do advogado Fernando Caldas: "Ele tem acesso a
desembargadores e é muito forte. Ao desembargador Amauri, por conta de
Glênio. Com Rebouças também".
Em outro ponto, o vídeo da delação
premiada mostra a visão de Carla sobre a influência do ex-procurador
geral do Município, Bruno Macedo. De acordo com Ubarana, o ex-procurador
pediu em duas oportunidades para "retirar" o precatório da fila de
pagamento supostamente porque havia feito "acordos por fora". Numa das
duas vezes, o precatório havia sido defendido, segundo Carla, pelo
próprio Bruno Macedo para uma construtora. "Bruno tem um processo lá e
pediu pra fazer um acordo diretamente com a prefeita pra receber a parte
dele", relembra.
Outros desembargadores são citados por Carla,
mas de forma difusa. Em um dos trechos, ela afirma que o desembargador
Expedito Ferreira "sugeria" quebrar a ordem cronológica de pagamento de
precatórios em benefício de pessoas que ele mesmo levava até o setor de
precatórios. Caio Alencar também é citado. "Várias vezes ele chegou:
Carla, eu trouxe aqui essa pessoa, veja o que você pode fazer por ela".
Em contato com a reportagem, Caio Alencar negou serem verdadeiras as
assertivas da acusada. "Estive na sala dela no máximo duas vezes e nunca
pedi nenhuma irregularidade. Ela quer desmerecer o trabalho da comissão
de investigação", disse.
Advogado faria tráfico de influênciaA
distribuição de processos dentro do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Norte é direcionada. A afirmação partiu da ex-chefe da Divisão de
Precatórios do TJRN Carla de Paiva Ubarana Leal, em depoimento ao
Ministério Público. Durante a oitiva que culminou com o termo de
delação premiada em benefício da ré da Operação Judas, Carla Ubarana
disse que o advogado Felipe Cortez tem influência direta dentro do TJRN e
que, apesar da distribuição ser realizada de maneira eletrônica, há o
direcionamento de processos para os desembargadores escolhidos. Além
disso, Ubarana também relatou que o próprio Felipe Cortez teria
insinuado a ela que foi através de influência dele que R$ 35 milhões de
"Gilmar" foram liberados.
Durante o depoimento, os membros do
Ministério Público questionaram se Carla Ubarana tinha informações sobre
vendas de acórdãos judiciais. Inicialmente, a ex-chefe da Divisão de
Precatórios disse "só saber", não tendo confirmações sobre o suposto
"comércio". Ela chegou a citar o desembargador João Rebouças. "Teve até
uma época, uma confusão com ele de uma Toyota que ele recebeu em um
processo", disse, depois de afirmar que gostava muito do desembargador.
Ainda
relatando possíveis negociações de acórdãos, Carla Ubarana também citou
o desembargador afastado Rafael Godeiro. "Rafael é brincadeira". Ela
relatou que ouviu de Felipe Cortez a insinuação de que conseguiu uma
liberação de dinheiro de uma pessoa identificada como "Gilmar". "Nas
palavras dele: como é que você acha que eu consegui livrar R$ 35
milhões, sei lá, de Gilmar? Um que foi preso e deu o apartamento ao
desembargador Rafael", relatou Carla Ubarana. Após a declaração, o
advogado Marcos Braga alertou a ré que Felipe Cortez não advogou para
"Gilmar". "Eu sei", prosseguiu Ubarana. "Mas foi o que ele veio passar
as informações (sic)". O Ministério Público chegou a questionar se o
fato supostamente reportado por Felipe Cortez não era relacionado ao
desembargador João Rebouças, mas ela negou. "Não. Ele falou com relação a
Rafael. De Rebouças ele nunca falou nada bloqueado, não. De Rebouças
ele falou somente com relação ao carro".
De acordo com ela,
várias pessoas dentro do TJRN saberiam da suposta doação de apartamento
a Rafael Godeiro por "Gilmar", e que o desembargador teria retirado o
imóvel do próprio nome para evitar ligação dele ao doador quando membros
do CNJ estiveram em Natal. "É o imóvel que ele mora, inclusive",
afirmou.
Carla Ubarana também relatou suposto direcionamento na
distribuição de processos, colocando-os em pauta somente quando havia a
perspectiva de vitória da parte dos que tinham influência dentro do
TJRN. Ela usou como exemplo a própria situação, quando um mandado de
segurança impetrado por ela foi negado porque ela não sabia quem seriam
os responsáveis pelo julgamento. "Se eu soubesse que o meu mandado de
segurança só ia ter um desembargador, eu tinha pedido para ser retirado
de pauta, e teria saído", disse, afirmando que os juízes não concedem
mandado de segurança lá dentro. De acordo com ela, Felipe Cortez também
administra esse jogo no TJRN. "E isso quem é que administra bem
direitinho lá dentro? Felipe", afirmou, mas sem saber como o advogado
supostamente faria para influenciar o trâmite dos processos dentro da
Corte.
Questionada sobre a forma como era realizado o
direcionamento mesmo com a distribuição eletrônica, Carla Ubarana disse
que a mudança era simples. "Não há ordem cronológica porque eles têm que
paginar, autuar, capear... Quando o processo está pronto, independente
da numeração do processo, porque não é o número do processo que dá a
ordem cronológica, é o fato dele estar pronto, você direcionava para
quem você queria", afirmou.
Caso da Henasa teve atenção especial de promotores O
precatório da Henasa, considerado suspeito pelo Tribunal de Contas do
Estado, mereceu atenção especial dos promotores do Patrimônio Público.
Em vários trechos, as perguntas foram direcionadas às circunstâncias
relatadas pelo TCE como suspeitas no acordo de R$ 95 milhões firmado
entre o Município e a Henasa Empreendimentos Turísticos LTDA,
principalmente no que diz respeito ao cálculo do valor atualizado da
dívida e à celeridade do processo. Carla Ubarana negou ter recebido
qualquer tipo de pagamento para "fraudar" o cálculo.
Já acerca do
trâmite do processo, embora tenha dito que não podia afirmar, mas
apenas apreciar "subjetivamente", Carla Ubarana relatou que houve uma
atenção especial. "Houve uma atenção especial a esse precatório? Houve",
disse. Logo em seguida, provocada pelos promotores, Ubarana relatou a
suposta influência do advogado da Henasa, Fernando Caldas Filho, dentro
do TJRN, citando acesso aos desembargadores Amaury Moura e João
Rebouças. Perguntada sobre outras formas de influência no trâmite do
precatório, Carla Ubarana disse desconhecer novos fatos.
Em
relação aos cálculos, ela negou várias vezes ter recebido qualquer tipo
de vantagem ou ter operado "fraude" no cálculo do valor atualizado do
precatório. O TCE verificou números "superfaturados" no precatório,
sendo que o valor real, segundo os auditores do TCE, é de R$ 72 milhões
contra R$ 191 milhões do cálculo total do TJRN e R$ 95 milhões do acordo
final. O cálculo do TJRN foi, segundo Carla, realizado por um
funcionário chamado "Jorge", a quem ela exime de qualquer tipo de
influência suspeita.
Num momento, Carla chega a citar uma
reunião com a prefeita Micarla de Sousa e os desembargadores Osvaldo
Cruz e Rafael Godeiro sobre o precatório em questão, mas, interrompida,
não desenvolve o relato e nem volta a falar sobre essa suposta reunião
durante o depoimento.
Acerca do relatório do TCE sobre o
precatório da Henasa, o procurador Luciano Ramos deve entregar até a
próxima quarta o parecer da Procuradoria junto ao Tribunal de Contas. O
processo chegou às mãos do procurador indicado na última quinta-feira.
Como o prazo máximo é de cinco dias, o processo só deve voltar às mãos
do relator Carlos Thompson na próxima semana.
O parecer do
Ministério Público será apresentado ao relator, que produzirá uma peça a
ser apreciada pelo pleno do Tribunal de Contas, que têm reuniões
ordinárias às terças e quintas. No relatório parcial, existe a sugestão
de uma medida cautelar e de condenações para Bruno Macedo, ex-procurador
do Município, Fernando Caldas, advogado da Henasa, Micarla de Sousa,
Carla Ubarana, ex-chefe da divisão de precatórios do TJRN, e João
Batista Cabral, ex-secretário geral do TJ.