
Publicado em: 20 de Março de 2018
Por Gisele Brito
A luta pela demarcação de uma terra em Roraima pode parecer pouco interessante para um
morador da Pavuna, no Rio, ou de Moema, em São Paulo. Mas, diariamente, ao se alimentar ou abrir a torneira de casa, os lugares se conectam. “Se não fosse a luta dos povos indígenas, o Brasil inteiro já seria pasto”, pontuou
Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, durante a primeira mesa de
Convergência do Encontro Novos Paradigmas, no Fórum Social Mundial, que aconteceu na
semana passada em Salvador.
Além de Sônia, participaram da mesa Daniel Hostettler, da Fastenopfer, Ladislau Dowbor, da
Pontifícia Universidade Católica, Tania Ricaldi, do Grupo de Trabalho Cambio Climático y
Justicia, Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, e Natalia Quiñonez, da
Fundasal por el Derecho a La Vivienda y al Habitat. Os participantes apontaram como
fundamental a importância da incorporação de modos tradicionais de vida em políticas
públicas e soluções sistêmicas para salvar a humanidade de sua derrocada, em meio à
crise ambiental grave em que vivemos e que se aprofunda.
Para Hostettler, muitas das abordagens de combate aos problemas sociais até agora eram
reformadoras e não transformadoras “e isso não é mais suficiente”. Dessa forma, é preciso
buscar alternativas que reúnam características de práticas bem-sucedidas na proposição de
novos paradigmas, como o desenvolvimento de economias descentralizadas e comunitárias
, uso de tecnologias baseadas nos saberes da comunidade e o uso comunitário delas, ações
que partem da base e que respeitem as questões ambientais.
Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, apontou que, ainda que a crítica ao
modelo de desenvolvimento atual tenha crescido nas Américas, onde legislações
consideradas utópicas foram aprovadas durante governos progressistas, nada foi alterado
na posição desses países na divisão internacional do trabalho, ficando legado a eles o
fornecimento de matérias-primas extraídas do meio ambiente. E é justamente essa extração
que põe em jogo modos de vida transformados pelo “desenvolvimento”. “O extrativismo não
é apenas um modelo econômico, mas de sociedade”, afirmou.
O enfrentamento ao extrativismo também esteve presente na fala de Pablo Solon, da
Fundação Solon, no segundo dia do encontro. Solon defendeu que é preciso buscar
alternativas que enfrentem o que chamou de crise sistêmica, ou seja, que afeta igualmente
o social, o econômico, o político e o ambiental. O boliviano afirmou que não basta haver
governos anticapitalistas, como vários latinoamericanos se declararam nos últimos anos,
mas é preciso ser antiextrativista e antiprodutivista. Para ele, não é mais suficiente que as
soluções se restrinjam à mudança de matriz energética, supostamente mais limpa, como a
solar em detrimento da proveniente do petróleo. É preciso repensar o consumo de energia e “mudar a relação com a natureza”.
Solon participou da mesa Alternativas para a Transição para o Outro Mundo, que também
contou com falas de Patrick Viveret, da Rede Diálogos em Humanidade, Ricardo Petrella, do
Instituto Europeu de Pesquisa sobre a Política da Água, e Lindomar Terena, do Conselho
Terena.
Petrella chamou atenção para o fato de o poder político estar muito fragmentado, enquanto
o poder real está cada vez mais concentrado. Em contraposição a outras falas que
chamaram atenção para o poder de ações locais articuladas em grande escala para o
estabelecimento de novos paradigmas, Petrella defendeu a importância de ações globais
para combater a crise que afeta a humanidade. “É preciso sair dessa prisão ideológica em
que somos todos sujeitos, mas não temos mais poder. Não somos mais senhores do nosso
destino”.