Corrupção no RN desvia R$ 338 milhões
Nadjara MartinsRepórter
http://tribunadonorte.com.br/noticia/pf-investiga-130-crimes-de-prefeitos/325536
Em uma década, o
montante de recursos federais desviados ou mau aplicados no Rio Grande
do Norte chegou a, pelo menos, R$ 338 milhões – verba mais que
suficiente para custear, por exemplo, toda a obra da barragem de
Oiticica, que levará água para o Seridó potiguar. Ou, ainda, para bancar
cinco planos de mitigação da seca como o que foi apresentado pelo
Governo do Estado ao Ministério da Integração, no início deste mês, ao
custo de R$ 64 milhões. A soma das irregularidades foi identificada em
auditorias e tomadas de contas especiais do Tribunal de Contas da União
(TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU) em convênios destinados a
municípios e ao estado potiguar entre 2005 e 2015.
Paulo Pampolim
1.121 decisões do TCU apontaram desvios ou irregularidades no RN
Parece
muito, mas a soma de recursos desviados ainda pode estar
subdimensionada, visto que ambos os órgãos contabilizam apenas recursos
federais. Segundo o levantamento, obtido com exclusividade pela
TRIBUNA DO NORTE, 1.121 decisões do TCU apontaram desvios ou
irregularidades na aplicação de recursos federais no estado potiguar: R$
229,4 milhões que escorreram pelo ralo. O valor é referente a convênios
que foram analisados pela Secretaria de Controle Externo do tribunal no
RN, e nem considera pactuações destinadas a grandes obras de
infraestrutura – nestes caos, analisadas pela sede do TCU, em Brasília.
PF investiga 130 crimes de prefeitos
Publicação: 2015-09-27 00:00:00 | Comentários: 0
Infiltrada dentro da administração pública, a corrupção não é
alvo apenas de processos administrativos. Há ainda a responsabilização
cível e criminal. A Polícia Federal investiga cerca de 270 contratos no
RN que possuem indícios de corrupção. Destes, 40% possuem
irregularidades cometidas por prefeitos. No rol dos crimes contra a
administração pública cometidos no estado, entram também peculato,
corrupção passiva e ativa. Somente neste ano, 58 inquéritos já tiveram
apontadas a autoridade e materialidade dos desvios, e podem ser
encaminhados para o Ministério Público Federal para posterior denúncia.
Divulgação
Fernando Rocha, procurador do Núcleo de Combate à Corrupção
“Quando
a gente fala em desvio por corrupção, é corrupção ativa e passiva,
peculato e os crimes de responsabilidade praticados por prefeitos, além
dos crimes previstos nas leis de licitações”, explica o titular da
Delegacia de Crimes Financeiros Delefin/PFRN), Santiago Houfin. Os
delitos contra a administração pública estão previstos tanto no código
penal quanto em leis específicas, como a de licitações e a
anticorrupção. Geralmente, segundo o delegado, os crimes contra o
patrimônio público também respondidos na seara cível, por meio da lei de
improbidade administrativa. Esta possui a competência de afastar o
gestor do cargo público, por exemplo.
Segundo
Houfin, os desvios mais comuns no RN são os praticados pelas
prefeituras. “O que a gente percebe é que os mecanismos de controle não
tem sido suficientes para coibir a ação nas prefeituras. E isso se deve,
em grande parte, a falta de transparência. Quando os portais são
instalados, eles o fazem de tal forma que inviabilizam a fiscalização
pela população. A pessoa que reside na cidade é o melhor fiscal da
aplicação dos recursos pela prefeitura”, salienta o delegado. Em
levantamento divulgado pela CGU no início deste ano, o Rio Grande do
Norte foi classificado como último no ranking de transparência entre os
estados. No estado, 13 municípios sequer possuem portais de
transparência instituídos.
Penas menores e processo judicial favorecem corrupçãoMesmo
quando o crime contra a administração pública é comprovado, não há
garantia de que o responsável será, enfim, punido. Para o procurador
federal Fernando Rocha, que integra o Núcleo de Combate à Corrupção do
Ministério Público Federal (MPF/RN), a corrupção “vale a pena” no Brasil
por três fatores: a facilidade com que os crimes prescrevem, as penas
pequenas e o travamento dos processos no judiciário.
“Nós
precisamos de uma revisão do sistema atual, que é profundamente leniente
com corruptos. O crimes de corrupção, que não são considerados
violentos, possuem penas de até quatro anos”, comenta Rocha. “Mas a
corrupção é um crime violentíssimo. Quando você desvia recursos
públicos, está condenando uma população. Em Patu, há um prefeito que
desviou R$ 700 mil que era para construir a primeira e única creche da
cidade. Ele dizimou uma geração de crianças”, acrescentou.
O MPF
iniciou, há dois meses, uma campanha de 10 medidas contra a corrupção,
que vão desde o aumento das penas criando dificuldades para a progressão
de pena, o fim do indulto natalino (perdão presidencial) e que a
corrupção se torne crime hediondo.
Para o coordenador do Centro
de Apoio Operacional às Promotorias do Patrimônio Público (Caop) do
MPRN, promotor Augusto Lima, outra dificuldade é o travamento do
processo judicial, como o foro por prerrogativa de função – o chamado
foro privilegiado. “Há uma série de problemas com o processo judicial,
como o excesso de recursos. Já ação de improbidade, antes de o juiz
aceitar a ação, o acusado precisa ser notificado. É como se ele tivesse
uma defesa prévia”, exemplifica.
No judiciário potiguar, até
março deste ano, 524 processos de improbidade impetrados até 2012
voltaram para a fila das comarcas da Fazenda Pública após a extinção de
uma comissão do TJRN destinada ao cumprimento das metas do Conselho
Nacional de Justiça – entre estas, o julgamento de processos sobre
administração pública. Segundo apurado pela reportagem, a comissão foi
extinta após o corte de comissionados determinados pela presidência do
tribunal no começo do ano.
Segundo a juíza auxiliar Flávia
Dantas, que integrava a comissão, os processos são mais complexos. “Há
notícia de processo em tramitação em nosso Estado com mais de 400
volumes, maior que o Mensalão. Não dá para estipular um prazo. Mas
evidentemente processo que apura ilícito contra a administração pública é
mais demorado que os outros, já que normalmente são volumosos, com
muitos réus, muitas perícias, quebras de sigilos bancários e fiscais,
interceptações telefônicas”, afirma.
Veja as 10 propostas de combate à corrupção sugeridas pelo MPF no link http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas)
Bate-papo - Carlos Cavalcanticoordenador do Movimento de Combate à Corrupção (MARCCO/RN)
Hoje temos um bom sistema de combate à corrupção?Nossa
prerrogativa é primeiro a prevenção de corrupção – o ideal – e a medida
repressiva, depois que a corrupção tenha acontecido. Os instrumentos
estão sendo aprimorados. Temos a lei mais recente, que é a
anticorrupção, de 2013: você pega o corruptor e o corrupto. O problema é
que nosso código penal é de 1940, quando a prioridade eram os crimes
contra a vida. Hoje, para nós, corrupção é um crime contra a vida e de
uma forma muito maior. Em suma, da maneira que o ordenamento jurídico
existe, compensa ser corrupto, pois as penas são pequenas, começam com
dois anos.
O que leva os processos se arrastarem até a prescrição?A
mudança no código do processo civil – e, espera-se, no penal – crie-se
uma agilidade. Um dos pontos seria o fim do excesso de recursos. Quem se
envolve nisso contrata bons advogados, que conseguem postergar a pena
por meio de recursos até a prescrição. Resolvendo-se estes entraves e
gerando a privação da liberdade, o corruptor sente que pode ser punido,
que ele vai ser preso. Com estas dez medidas do MPF teremos um arsenal
contra a corrupção.
Mas também é possível combater com a educação?Claro.
Temos uma proposta do MARCCO em parceria com a Prefeitura de Natal e a
CGU de levar aulas de ética para estudantes do fundamental para ver se
muda a nossa mentalidade do jeitinho brasileiro. É esse jeitinho
pernicioso que você fura a fila... são as pequenas corrupções que levam
às grandes. É preciso mudar essa mentalidade.
O
tribunal geralmente instaura a tomada de contas a pedido dos
ministérios que destinam os recursos. Embora tenha poder de investigação
e de julgamento – determinando a devolução de recursos ou o pagamento
de multas, por exemplo – isso não garante que os recursos serão
devolvidos de imediado. Segundo a Secex/RN, alguns recursos ainda estão
abertos para recurso.
“O processo mais comum aqui é a tomada de
contas especial. Geralmente, o órgão repassados dos recursos faz uma
análise, há um parecer de reprovação das contas, e o processo é
encaminhado para o TCU. Aqui, nós começamos uma nova apuração dos fatos.
Se for confirmado, o pleno aplica uma pena administrativa, como multa,
afastamento do cargo, e encaminhamos a denúncia ao Ministério Público,
que pode ou não iniciar um processo criminal”, explica o secretário
executivo do TCU no RN, Cleber Menezes. Dentro da corte, o processo dura
até dois anos, desde a entrada até o julgamento.
Entretanto, há
processos que se arrastam por anos, tanto pela demora na apuração dos
órgãos repassadores do montante quanto pela quantidade de recursos
dentro do processo judicial. Um exemplo é o processo contra o
ex-vereador Enildo Alves, que apura a má aplicação de R$ 9,4 milhões em
recursos do Fundo Nacional de Saúde destinados à Secretaria Municipal de
Saúde (SMS Natal) para o custeio de medicações e refeições em 2002,
cuja aplicação nunca foi comprovada. À época, Enildo era o titular da
pasta. O processo ainda não tramitou em julgado.
Por não ter
estrutura ampla, o TCU só faz auditorias sob demanda dos órgãos
repassadores, denúncia ou amostragens, diferentemente da CGU, que faz a
análise dos municípios por sorteio. A controladoria, por exemplo,
vistoriou 101 municípios nos últimos cinco anos, expedindo 120
recomendações para reposição de bens ou valores. Pelas inspeções da CGU,
R$ 108,5 milhões precisam ser devolvidos aos cofres federais por
gestores do RN.
“Se faz tempo que não vistorio um órgão, há uma
possibilidade maior de que haja uma irregularidade lá. Uma coisa que
mitiga o risco é a sensação do controle. Se você está na sua repartição
pública e ninguém está sendo questionado, por que se preocupar?”,
comenta Menezes.
Embora os custos dos desvios tenham crescido
(ver infográfico página 2), o secretário executivo ressalta que é cada
vez mais difícil descobrir os crimes. Há uma especialização nas
irregularidades dentro da administração pública. “Não encontrar muitos
desvios de dinheiro e recursos não quer dizer nada. Nós vemos muita
irregularidade formal, que poderiam passar como algo que não é grave”,
pontua. Para Menezes, um acompanhamento mais efetivo deve ser feito pelo
Tribunal de Contas do Estado, que tem mais proximidade com os
municípios.